Um dia

 Se um dia quiseres saber de mim, não chames pelo meu nome, pois o som que um dia identificou-me já não ecoa no mundo como antes. O que resta de mim não está naquilo que é visível, mas no que deixei silenciosamente marcado dentro de ti. Procura-me nos sussurros do teu próprio ser, nas palavras que te entreguei, nas entrelinhas das nossas conversas. São essas palavras que, mesmo sem que te apercebas, construíram pontes entre os nossos corações,  moldando um caminho invisível que te conduzirá até onde encontro-me, mesmo quando já não puderes me tocar.

Se, por um acaso, a tua mente vaguear até mim e quiseres recordar o meu rosto, não percas tempo à procura de uma fotografia, um retrato estático de quem fui. Essas imagens, por mais belas que tenham sido, são fragmentos presos ao passado, sombras do que éramos. Fecha os olhos do corpo, porque é apenas no escuro da tua alma que verdadeiramente me encontras. Ali, entre as memórias que construímos juntos, estão gravados os meus traços, não apenas do corpo, mas da minha vida, da minha essência, daquela que fui enquanto caminhava ao teu lado.

Se um dia te faltar o conforto da minha voz, aquela que tantas vezes te acompanhou nas madrugadas solitárias ou nos dias de riso fácil, não te aflijas. Faz silêncio ao teu redor, cala o ruído do mundo e das vozes que te rodeiam, porque a minha voz não está no vento, nem nos ecos das ruas por onde andámos. Está no compasso do teu coração, onde todas as nossas histórias estão cuidadosamente guardadas, em fragmentos dispersos, esperando pacientemente o momento de serem recordadas. Escuta com atenção, porque ali, na batida suave do teu peito, ressoam as nossas risadas, os nossos segredos e até as nossas tristezas. E nesse silêncio, saberás que ainda estou contigo.

Se um dia acordares e te aperceberes que ainda queres saber de mim, que ainda anseias pelo que deixei em ti, parares um momento. Antes de me procurares fora, nos lugares que costumávamos frequentar, nas lembranças que o tempo já apagou do mundo físico, olha para dentro de ti. Procura-me nos recantos mais íntimos do teu ser, onde se encontram todas as emoções que partilhámos. Se, ao procurar, sentires que já não estou lá, que o espaço que um dia ocupei em ti se desfez como poeira ao vento, então aceita o que o tempo fez. Não venhas em busca de algo que já não existe fora de ti, porque a minha presença, se já não estiver guardada no teu íntimo, já terá cumprido o seu papel.

A vida tem a sua maneira única de nos moldar, de nos transformar e de nos fazer seguir em frente, muitas vezes sem que percebamos. Se eu já não viver em ti, é porque o ciclo se completou. E embora o amor, a amizade, ou o laço que nos uniu tenha sido verdadeiro, intenso e inegável, pode ser que o tempo tenha suavemente levado aquilo que não precisava permanecer.

Mas se, ao contrário, me encontrares dentro de ti, nas pequenas coisas, nas memórias guardadas com carinho, então saberás que, de alguma forma, sempre estarei contigo. Porque aquilo que realmente importa, o que realmente é duradouro, nunca se perde. Fica gravado em nós de maneira indelével, entrelaçado na alma, como uma chama que nunca se apaga, mesmo quando o corpo já não está presente. E, nesse caso, saberás que não é preciso procurar-me fora, porque sempre estive, e sempre estarei, dentro de ti

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