Dor
Ninguém atravessa a dor e sai ileso. A dor é uma força inevitável, silenciosa, que se insinua na vida de todos, num momento ou outro, e que nos obriga a mudar, a adaptar, a rever o que somos e a forma como nos relacionamos com o mundo. Não importa a forma que assume — uma perda, uma traição, uma desilusão ou um fracasso pessoal —, o seu impacto é profundo e irreversível. No entanto, o que define a nossa jornada não é o facto de sofrermos, mas sim a escolha que fazemos após o vendaval passar.
Para muitos, a dor age como uma forja, endurecendo a alma, transformando o sofrimento numa couraça que lhes permite sobreviver, mas à custa de se fecharem ao mundo. Estas pessoas, ao terem sentido a vulnerabilidade da sua própria fragilidade, decidem que nunca mais voltarão a estar expostas a esse sofrimento. Tornam-se agressivas, desconfiadas, atacam antes de serem atacadas. Vivem numa constante antecipação de novos golpes, como se o mundo fosse um campo de batalha onde cada encontro pudesse representar uma nova ameaça. Para elas, a dor é sinónimo de fraqueza e, em resposta, escolhem a força, o isolamento emocional. Elas machucam para não serem machucadas, endurecem porque, para elas, o mundo deixou de ser um lugar seguro. O resultado é uma vida onde o medo é o guia, e onde o amor e a compaixão são substituídos pela defesa contínua.
Por outro lado, há quem enfrente a dor e, em vez de se esconder atrás de barreiras, se torne mais sensível, mais humano. Estas pessoas reconhecem que a dor é universal, que todos, em algum momento, enfrentam as suas próprias batalhas internas. Ao invés de endurecerem, abrem-se à fragilidade do outro, tornando-se mais gentis, mais atentos. Sabem que, nas margens da dor, existe também a possibilidade de crescimento, de empatia. Essas pessoas não ignoram o seu próprio sofrimento, mas escolhem ver nele uma oportunidade de se conectarem mais profundamente com o mundo à sua volta. Para elas, a dor é uma professora que as ensina a importância do toque, da palavra certa no momento certo, do abraço que consola, do silêncio que compreende.
E depois do vendaval, quando os destroços da tempestade estão espalhados pelo chão, cada um de nós enfrenta a mesma escolha: o que vamos recolher? Os cacos que nos cortaram, as feridas que nos marcaram, ou as lições que nos tornaram mais conscientes da vida? A dor oferece-nos sempre a escolha entre ser uma prisão ou uma ponte. Uma prisão que nos isola, nos enclausura no medo de voltar a sofrer, ou uma ponte que nos liga aos outros, que nos faz perceber que a vulnerabilidade é o que nos torna humanos.
Há também uma perspectiva intermediária, mais complexa, onde nem todos endurecem completamente, nem todos se tornam imediatamente sensíveis. Algumas pessoas flutuam entre esses estados, porque o processo de lidar com a dor não é linear. Num momento, podem erguer defesas, ressentindo o mundo pela injustiça do sofrimento, e noutro, podem baixar essas guardas, permitindo-se sentir, amar, e abrir-se de novo. Para estas pessoas, a jornada da dor é uma dança entre proteger-se e permitir-se ser vulnerável. E está tudo bem. A dor, como parte intrínseca da condição humana, não exige respostas definitivas ou escolhas permanentes.
Independentemente da direção que escolhemos seguir, a verdade é que a dor deixa sempre uma marca. A grande questão é que tipo de marca queremos que ela deixe em nós. Será a cicatriz que nos lembrará constantemente daquilo que perdemos, ou será o símbolo de uma superação, de uma transformação que nos fez mais fortes e mais conscientes?
É também importante considerar que a dor é inevitável, mas o sofrimento prolongado pode ser uma escolha. Sofrer é um processo natural, mas é a nossa insistência em reabrir antigas feridas, em reviver mentalmente o que já nos magoou, que transforma a dor numa sombra perene. Aprender a deixar ir, a aceitar que algumas coisas simplesmente não podem ser mudadas, é uma das maiores lições que a dor nos pode ensinar.
Por isso, quando o vendaval passar, e tu estiveres diante dos destroços do que antes parecia indestrutível, escolhe com cuidado o que vais recolher. Podes pegar nas pedras que te feriram, ou podes agarrar nas flores que, contra todas as expectativas, sobreviveram à tempestade. Podes endurecer-te ou suavizar-te, atacar o mundo ou abraçá-lo. No fim, é sempre a tua escolha. O que fazer com a dor não é sobre evitar ou controlar o que nos acontece, mas sobre como permitimos que ela nos transforme e o que, a partir dessa transformação, decidimos devolver ao mundo.