Sentir
Se eu fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não a iniciaria com partituras, notas ou regras. Não a levaria diretamente ao papel, a essas linhas que parecem tantas vezes intimidantes. Em vez disso, começaríamos pela experiência mais pura: ouvir. Juntos, mergulharíamos nas melodias que fazem o coração vibrar e a alma dançar. Deixaríamos que os sons a envolvessem, que as notas soltas no ar despertassem nela uma curiosidade natural, um encantamento silencioso.
Diria-lhe que, por trás de cada melodia, há instrumentos que dão vida a essas ondas sonoras. Contaria as histórias do piano, do violino, do saxofone, de como cada um, com o seu timbre único, cria uma parte daquele universo mágico. Mostrar-lhe-ia que a música é feita de emoções e que, muitas vezes, o som de uma simples nota pode tocar-nos de maneiras que as palavras nunca conseguem.
A criança, fascinada com essa beleza, começaria a perguntar-se o que está por detrás desse mundo. Seria ela a pedir-me para lhe revelar o mistério daquelas bolinhas pretas dispostas sobre cinco linhas. Então, com os olhos brilhando de curiosidade, ela perceberia que essas marcas no papel não são nada mais do que ferramentas para capturar e reproduzir a maravilha que já sente. As notas, as pautas, os acordes, são como o alfabeto para a escrita – essenciais, sim, mas apenas para traduzir algo muito maior: a própria beleza.
E é isso que muitas vezes esquecemos: a experiência da beleza tem de vir antes da técnica. Não se pode ensinar a estrutura sem antes semear o encanto. Primeiro, precisa-se de despertar a alma para o prazer de ouvir, sentir, deixar-se levar. Só depois, quando o fascínio já a tiver conquistado, a técnica fará sentido, como um caminho natural para entender como se cria aquilo que já a encanta.
Porque no fundo, a beleza, seja na música ou noutra arte, não reside na forma. Está no efeito que ela provoca, na maneira como nos faz sentir e pensar. A técnica pode aperfeiçoar, mas a verdadeira essência da arte – e da vida – é o sentir.