"Amiga"
Já repararam como, por vezes, encontramos pessoas que parecem ter vivido a nossa vida? Aquelas que, ao fim de cinco minutos de conversa, já sabem todos os nossos traumas, sonhos frustrados e aquela piada que só você acha graça?
Não é como se tivéssemos descoberto uma alma gêmea, mas sim uma testemunha ocular dos nossos piores momentos. É como se o universo tivesse decidido fazer um teste de laboratório social e colocado duas cobaias na mesma gaiola para ver o que acontece.
Essas pessoas, meus amigos, são as que compartilham experiências de vida semelhantes. Sim, porque a vida é generosa em distribuir tribulações, e quando encontramos alguém que passou pelas mesmas, é como se tivéssemos encontrado um sócio para o nosso clube privado de infortúnios. A empatia surge não só porque sabemos o que o outro está a pensar, mas porque já pensamos a mesma coisa, e, convenhamos, somos todos previsíveis na miséria. Foi assim hoje quando a senhora dirigiu-se a mim.
Vamos ser honestos: quem nunca conectou-se profundamente com alguém porque ambos tiveram o mesmo chefe insuportável, sofreram nas mãos do mesmo sistema educacional ou perceberam que aquela banda indie que adoravam na adolescência agora faz música para comerciais de margarina?
Não estamos a falar de gostos refinados ou de uma conexão espiritual elevada. Não, senhora. Estamos a falar de experiências mundanas, terrivelmente humanas, que nos unem num pacto de sobrevivência.
E é por isso que essas conexões são tão rápidas e intensas. Não porque somos almas iluminadas, destinadas a encontrar-nos, mas porque, numa vida repleta de incertezas e absurdos, encontrar alguém que tenha lutado nas mesmas trincheiras que nós é um alívio. É como dizer: “Ei, você também passou por isso e ainda está aqui! Incrível! Vamos ser amigos e rir da nossa desgraça compartilhada.”
E assim nasce a "quase" amizade, essa conexão sagrada que não se sustenta no amor incondicional, mas sim no ódio coletivo por um mesmo restaurante que serviu aquela comida horrorosa ou pela série que estragou o final ou pela profissional desagradável. Porque, no fundo, nada une tanto duas pessoas como a mútua compreensão de que o mundo é, em grande parte, um lugar ridículo com pessoas desagradáveis de má índole. E a vida, meus caros, é um stand-up sem fim, onde só os que riem das mesmas piadas sobrevivem.