Reflexão pessoal.
Sangue de Cordeiro: A Força de Quem Não Responde na Mesma Moeda
Hoje foi um daqueles dias em que a alma é tocada de forma subtil, mas irreversível. Na homilia, o padre, com uma serenidade que apenas os que escutam mais do que falam conseguem carregar, disse algo que ficou a ecoar dentro de mim: “Não coloques pedras no caminho dos outros.” Parece simples. Mas como tantas verdades essenciais, essa também é, em si, profundamente revolucionária.
Estamos habituados a ouvir que devemos perdoar, amar os inimigos, oferecer a outra face. Mas quantos de nós, honestamente, vivem essa proposta? Quantos conseguem resistir ao impulso de devolver o mal com o mal, de retribuir traição com indiferença, ofensa com silêncio gelado, agressão com palavras cortantes?
Foi então que ele contou uma história que não conhecia — e que, confesso, me deixou em silêncio interior. Uma serpente, ao ver um cordeiro a passar, envenenada pelo seu próprio instinto destrutivo, lançou-se sobre ele, tentando mordê-lo. Mas o cordeiro não caiu. Ela, perplexa por ele não morrer, mordeu de novo, apertou com mais força, insistiu com mais ódio. E foi aí que se deu o paradoxo: o veneno que lançou matou-a a ela própria. Porque o antídoto do seu próprio veneno estava no sangue do cordeiro.
Que imagem poderosa. Que ensinamento escondido nesta pequena alegoria. O cordeiro, figura que atravessa toda a simbologia cristã como emblema de pureza, mansidão e sacrifício, torna-se aqui o espelho da verdadeira força. Não a força que grita, que impõe, que revida — mas a força silenciosa de quem permanece firme na sua natureza, mesmo quando é atacado.
Quantas vezes, diante da dor, sentimos a tentação de endurecer? De nos tornarmos aquilo que mais repudiamos, apenas por defesa? A vida, por vezes, fere de tal maneira que a resposta mais fácil parece ser fechar o coração. Mas fechar o coração não é proteger-se — é perder-se. É trair a essência que Deus nos confiou.
A grande lição que Jesus nos deixa, quando senta à mesa com Judas, é essa: a identidade não se molda pelas atitudes dos outros. Mesmo conhecendo a traição iminente, Jesus não retira o lugar de Judas à mesa. Ele não o expulsa, não o humilha, não o denuncia. Dá-lhe pão. Dá-lhe amor. Dá-lhe tempo. Porque o bem não negocia com o mal; ele persiste, até ao fim.
E que isto nos sirva de reflexão: se és daqueles que já foi brutalmente magoado, e ainda assim tens coragem de estender a mão, de manter a palavra, de continuar a amar — então tu és feito de sangue de cordeiro. És remédio num mundo doente. És resposta diferente num mundo de reações automáticas. És, como Cristo, portador de uma paz que não se explica, mas se vive.
A nossa fé não se prova na quantidade de versículos que sabemos de cor. O diabo também conhece a Bíblia. A nossa fé prova-se na vida quotidiana, nos pequenos gestos, nas respostas que damos ao mal. Saber a verdade é uma coisa; vivê-la é outra. É por isso que há tantos com doutrina mas sem compaixão. Com teologia mas sem ternura. Com moral mas sem misericórdia.
A Palavra de Deus só frutifica quando sai do intelecto e desce ao coração. Quando se transforma em prática, em obediência viva, em coerência silenciosa. A Bíblia não foi escrita para nos tornar sábios aos olhos dos outros, mas santos aos olhos de Deus.
E a santidade, hoje, é isso: não colocar pedras nos caminhos dos outros. É resistir à tentação de retribuir na mesma moeda. É continuar a ser luz, mesmo quando tudo ao redor parece escuro. Porque a luz não se impõe. Ela simplesmente brilha. E o que brilha atrai, aquece, transforma — sem gritar.
Quero viver assim. Com coragem mansa. Com firmeza doce. Com amor sem cálculo. Não por ingenuidade, mas por escolha consciente. Não por fraqueza, mas por fidelidade à essência que me foi confiada.
Que eu seja sempre mais cordeiro do que serpente. Que eu saiba morder o orgulho em vez de quem me fere. Que o meu sangue, quando for ferido, se transforme em cura — e não em veneno.
Hoje, mais do que nunca, compreendi que a resposta mais revolucionária ao mal é permanecer bom. E essa resposta, sim, tem o poder de mudar o mundo.