Morte...
Onde está, afinal, a morte? Não aquela figura simplista, encerrada em imagens populares de fim ou de tragédia inevitável, mas a morte enquanto conceito, enquanto realidade ontológica. Será a morte uma cessação absoluta ou, antes, uma transição, uma invisibilização do ser ao olhar limitado dos sentidos? A morte, na sua essência mais profunda, não é ausência do ser, mas ausência da presença – uma separação momentânea entre o visível e o invisível, entre o tangível e o eterno.
Há, no entanto, uma morte que transcende o biológico. Uma morte que se insinua sorrateiramente no interior humano, que se manifesta não em corpos que tombam, mas em almas que se apagam. É a morte do espírito, aquela que nos rouba a capacidade de sonhar, de amar, de nos maravilharmos, de crer. Esta morte não é natural – é consequência. É fruto de um mal mais radical: o pecado. O pecado que aliena o homem de si próprio, dos outros e, sobretudo, de Deus. Não é por acaso que Santo Agostinho definiu o pecado como “amor desordenado”, uma distorção da hierarquia do bem, um afastamento do Sumo Bem.
Foge, pois, dessa morte interior. Foge de tudo aquilo que, com tua permissão ou negligência, te esvazia da plenitude que te foi destinada. O mundo dir-te-á que a vida é curta e que deve ser vivida com intensidade – mas que tipo de intensidade? A que serve uma vida gasta em excessos, se no final a alma estiver exaurida, desfigurada, desprovida de luz? A eternidade não é um conceito poético — é uma realidade teológica. E o inferno não é uma metáfora — é a escolha final de uma vida inteira sem Deus. Não vivas como se estivesses apenas a passar pelo tempo; vive como quem caminha para a eternidade.
A Páscoa, nesse sentido, não é um evento folclórico, nem um ritual sazonal de memórias culturais. A Páscoa é o ponto axial da história da salvação. É o momento em que o tempo toca a eternidade, em que o Deus transcendente se entrega ao sofrimento e à morte para resgatar o homem da sua própria perdição. A cruz é escândalo para o racionalismo e loucura para a lógica humana — mas é nela que se revela o poder subversivo do amor divino.
Se a lógica do mundo fosse critério, David nunca teria vencido Golias, Moisés jamais lideraria um povo, Pedro não seria rocha da Igreja, e Saulo, perseguidor, não seria transformado em apóstolo. Mas Deus não age segundo os critérios do mérito humano, da competência racional ou da perfeição moral. Deus escolhe o improvável, o frágil, o imperfeito – porque é na fraqueza que se manifesta a sua força. É no abismo do nosso nada que floresce a possibilidade do tudo divino.
E tu, mulher — tu que lês, que sentes, que choras em silêncio ou gritas dentro sem que ninguém ouça — tu que te sentes tantas vezes em guerra com o próprio corpo, com o tempo que corre e com as expectativas que o mundo te impõe... ouve: Deus não te quer outra. Deus não te quer filtrada, disfarçada, contida. Ele não te pede que escondas as dores cíclicas do teu ventre, nem as tempestades do teu coração. Ele não recusa o sangue nem o cansaço. Pelo contrário — é ali, na tua humanidade mais visceral, que Ele toca com mais ternura.
Sabe isto: o que tu chamas fraqueza, Deus vê como espaço sagrado. A tua cólica, o teu medo, as tuas dúvidas e o teu pranto – nada disso é irrelevante. Nada disso é rejeitado. Tu foste criada com uma essência que carrega o traço do divino. Não és amada apesar das tuas imperfeições — és amada nelas. E mais: és escolhida.
Sê mulher de coração aberto, não porque nunca foste ferida, mas porque mesmo ferida escolheste permanecer viva. Mesmo tremendo, não desististe. Mesmo em silêncio, continuaste a acreditar. O mundo pode querer fazer-te pequena, mas Deus chama-te grande na fé. E é nessa coragem de quem ama com medo, de quem reza sem ter palavras, de quem luta com lágrimas nos olhos, que se vê o milagre do amor verdadeiro.
No reino de Deus não é sobre quem tu és aos olhos do mundo, mas sobre quem Deus pode ser através de ti. Não precisas tornar-te forte como o mundo define força — basta que sejas verdadeira. E nessa verdade, Ele faz morada.
Na manhã pascal, a Terra estremeceu, o véu do templo rasgou-se, o sepulcro abriu-se – e a Vida irrompeu onde antes havia apenas silêncio e morte. O impossível foi vencido. A esperança renasceu como aurora indestrutível. Jesus, o Cristo, ressuscitou. E porque Ele vive, também nós podemos viver. Não uma vida qualquer – mas uma vida em abundância, transbordante, eterna. Uma vida reconciliada com o Criador, redimida do pecado, erguida acima das sombras do mundo.
Não temas a morte física, teme antes a vida vazia de sentido. E mais ainda, recusa aquela morte que se veste de prazer momentâneo mas que no fim ceifa a alma. Vive com lucidez, com fé e com temor santo. Porque a cruz não foi o fim — foi o início de uma nova criação. E tu, chamada por nome, és parte dessa história. Vive, pois, como quem já venceu a morte com Cristo. Porque n’Ele, e só n’Ele, a vida é mais forte do que a morte.