Reflexão: A verdade da minha escolha na religião.
Tive vergonha de mim mesma quando percebi que a vida era um baile de máscaras e eu, insuspeita, avançava para o centro do salão com o rosto desnudo. Por entre as sombras esculpidas em falsas cortesias e sorrisos fabricados, compreendi, tardiamente, que a sinceridade não é virtude, mas sim fragilidade; que a transparência não é força, mas vulnerabilidade exposta ao escárnio e à condescendência daqueles que há muito aprenderam a tecer a sua própria máscara com os fios da dissimulação.
A sociedade, esse teatro de fantoches manipulados por interesses e conveniências, exige de nós uma performance constante. A verdade crua, despida de adornos, é um ultraje, uma afronta imperdoável ao contrato social implícito que exige, de cada um, a entrega total à ilusão coletiva. Não há espaço para rostos verdadeiros neste festim de aparências, onde o que importa não é o que somos, mas o que conseguimos parecer ser.
Quando me apercebi desta mecânica cruel, senti um misto de humilhação e revolta. Como pude ser tão ingénua? Como pude acreditar que a honestidade me tornaria digna de respeito, quando, na verdade, apenas me entregava, indefesa, às garras de um mundo que se alimenta de fraquezas? Vi-me, então, confrontada com uma escolha: adaptar-me, confeccionar a minha máscara e dançar conforme a música, ou manter-me fiel ao meu rosto autêntico e pagar o preço da exclusão, do escárnio, do isolamento.
A minha decisão não foi imediata, nem isenta de sofrimento. Afinal, para que serve uma identidade genuína num mundo onde a verdade é uma moeda sem valor? Porém, descobri, na angústia da minha diferença, uma espécie de liberdade secreta. Se não me encaixo, se não me curvo perante a farsa generalizada, então sou, pelo menos, dona de mim mesma. Prefiro, ainda que sozinha, carregar o peso da minha autenticidade a perder-me no alívio confortável da aceitação vazia.
Mas não foi apenas a minha autenticidade que escolhi preservar. Escolhi, também, ser ainda mais seletiva. Se o mundo é um jogo de aparências, então não participarei com qualquer um. Não renego ninguém, mas permito-me escolher, com sabedoria e discernimento, aqueles que merecem partilhar o meu espaço, o meu tempo e os meus pensamentos. Aprendi que ser seletiva não é arrogância, mas um ato de autopreservação, um escudo contra o oportunismo e a superficialidade.
E nessa minha escolha, abracei os valores que sempre fizeram parte de mim. Curiosamente, sempre tive valores católicos antes mesmo de me considerar católica. Porque o verdadeiro valor não é imposto por um rótulo, mas sentido na essência. Prefiro uma Igreja que se mantenha autêntica, que evolua sem se dobrar às pressões de modas passageiras e sem se submeter a manipulações que a destroem por dentro. Recuso uma Igreja que se perca no culto da aparência, que troque a profundidade da fé pela superficialidade do espetáculo. Não quero uma fé que se vergue à lógica rasteira da autoajuda barata, onde palavras vazias são repetidas como mantras de consolo momentâneo, sem substância, sem exigência, sem compromisso real com a verdade e com a transformação interior.
A fé não é um produto de consumo, nem um refúgio para os que buscam conforto sem esforço. E, no entanto, vejo uma Igreja onde se manipulam mulheres vulneráveis, vendendo-lhes um ideal distorcido de felicidade enraizado na submissão cega e na aceitação acrítica de um papel pré-definido. Há uma perversão silenciosa na forma como se propaga a ideia de que a realização da mulher está exclusivamente atrelada ao sucesso da sua família, ao casamento estável, como se a sua identidade fosse uma extensão dos outros e nunca dela mesma. O casamento não é um fardo que a mulher deve carregar sozinha, sacrificando a sua personalidade e os seus princípios para agradar ao marido. Uma relação verdadeira não se constrói com silêncios impostos, mas com diálogo e crescimento mútuo. Não mudamos porque o outro exige, mudamos os nossos defeitos para nos tornarmos mais íntegros, mais próximos daquilo que Deus nos chamou a ser, e não para nos encaixarmos em moldes pré-fabricados.
As mulheres que seguiram Jesus não foram ricas, não tiveram casamentos perfeitos, nem mudaram a sua essência ou a sua forma de vestir. Maria Madalena, liberta de sete demónios, seguiu Cristo com devoção, mas não se tornou uma mulher submissa ao olhar alheio, e sim uma testemunha corajosa da Ressurreição (Lucas 8:2). Marta e Maria, irmãs de Lázaro, tinham personalidades distintas – Marta era diligente no serviço, Maria sentava-se aos pés de Jesus para aprender – e nenhuma delas foi chamada a mudar quem eram, mas sim a aperfeiçoarem-se na fé (Lucas 10:38-42). Joana, mulher de Cuza, intendente de Herodes, e Susana, outra discípula mencionada, apoiavam a missão de Cristo sem abandonarem as suas realidades sociais (Lucas 8:3). Essas mulheres seguiram Cristo com fé, mas nunca lhes foi pedido que moldassem sua feminilidade para caber em padrões impostos. Elas não enriqueceram, não buscaram reconhecimento mundano, mas tiveram um papel essencial na propagação da fé.
Jesus não escolheu mulheres para estarem entre os Doze Apóstolos, mas isso não significa que as mulheres sejam inferiores. Todos temos o nosso lugar no plano divino. O facto de Jesus ter escolhido doze homens reflete a estrutura que Ele estabeleceu, baseada na complementaridade e não na inferioridade. As mulheres desempenharam um papel crucial no ministério de Jesus e foram as primeiras a testemunhar a sua Ressurreição, mas a liderança apostólica foi confiada aos homens, como um reflexo da ordem criada por Deus. Igualdade não significa uniformidade; cada um tem o seu papel, e a dignidade de todos é igual aos olhos de Deus.
Mas a perversão da fé não se limita à esfera familiar. Há também uma crescente deturpação que transforma Deus numa espécie de agente de recompensas, um distribuidor de bênçãos materiais que supostamente premia aqueles que o seguem com riqueza, sucesso profissional, estabilidade emocional e relações perfeitas. Eu rejeito essa conceção vazia e oportunista da espiritualidade. Não quero uma Igreja que me diga que tenho de alcançar o sucesso profissional para provar a minha fé. Não quero uma doutrina que determine como me devo vestir, como se a salvação pudesse ser medida por padrões estéticos e não pelo coração. O seguimento de Cristo não se reflete em bênçãos terrenas, nem se mede pelo saldo bancário, pelo prestígio social ou pela estabilidade familiar.
Jesus disse: “O mais pequeno será o maior no céu.” Isto porque Deus não mede as almas pelos critérios do mundo. O poder, a riqueza, a posição social nada valem perante Ele. São os humildes, os que servem, os que colocam a verdade e o amor acima das aparências que serão exaltados no Reino dos Céus.
Eu escolhi e não é por falarem e recriminarem, deixando recados de escárnio e medo, que irei sair de onde sei, no meu coração, que me eleva, ajuda e está correto. Sei que estou no sítio certo. Não vou por ninguém; vou por mim e por Deus. A Igreja Católica Apostólica Romana existe desde sempre, enquanto outras surgem como modas, nascendo a cada esquina, moldando-se para encher bancos e, ainda assim, atacando o lugar de onde saíram. Falam nas costas, vivem de aparências e muitos líderes enriquecem sem que se saiba sequer quais são os seus empregos.
Eu escolhi e respeito a escolha de todos, mas exijo o mesmo respeito. Engraçado como Jesus foi perseguido e como os católicos continuam a ser perseguidos hoje. A história repete-se, mas a fé permanece inabalável. Como disse Jesus, "se Me perseguiram a Mim, também vos perseguirão a vós" (João 15:20). Mas bem-aventurados são aqueles que sofrem por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.