Apocalipse da dignidade.
A Morte Lenta da Dignidade na Sala de Aula: Um Chamado Urgente à Responsabilidade
Vivemos um tempo em que o verdadeiro apocalipse não se anuncia com fogo ou catástrofes naturais, mas com o colapso silencioso da dignidade humana. E onde este colapso se torna mais visível, mais doloroso, mais gritante? Nas escolas. Nos corredores outrora sagrados da educação, onde o conhecimento era cultivado com respeito e onde os professores eram, por direito e mérito, autoridades intelectuais e morais. Hoje, a escola é, demasiadas vezes, palco de desrespeito, violência e indiferença. O caos já se instalou, e urge, com toda a firmeza do verbo, repensar o que andamos a fazer — ou melhor, o que deixámos de fazer — enquanto sociedade.
Não se trata de um desabafo inflamado, mas de uma constatação crua: o desrespeito pelas figuras docentes deixou de ser exceção para se tornar sintoma. E este sintoma denuncia uma sociedade doente, uma cultura que falhou em transmitir o essencial — a noção de que a liberdade exige responsabilidade, que os direitos caminham de mãos dadas com os deveres, e que a educação começa, indelevelmente, em casa.
Pais e encarregados de educação, por mais que a expressão pareça antiquada ou institucionalizada, não podem continuar a assumir o papel de advogados de defesa dos seus filhos em cada episódio de insubordinação, em cada ato de violência verbal ou física, em cada demonstração de arrogância ou desprezo por quem está ali para ensinar. Educar é, por natureza, um acto partilhado. E quando os pais lavam as mãos da sua responsabilidade moral e ética, transferem-na, sem pudor, para os professores. Mas estes não são pais substitutos. São formadores. E estão a ser forçados, com demasiada frequência, a ser educadores de base, sem o apoio estrutural de uma sociedade que os compreenda, proteja e valorize.
Contudo, importa dizê-lo com a mesma clareza: os professores não são todos iguais. Há docentes que honram a profissão com um profissionalismo e humanidade comoventes. Educadores que veem em cada aluno uma semente de possibilidade, e que plantam, todos os dias, com esforço, paciência e vocação. Mas há também os outros. Os intransigentes. Os que se blindam na arrogância do cargo e se recusam a escutar, a refletir, a crescer. Os que se sentem de tal forma intocáveis que ignoram os próprios erros, e quando confrontados com queixas — justas ou não — respondem não com introspecção, mas com retaliação.
Falo com propriedade. Eu sei o que é sofrer represálias. Sei o que é viver o silêncio ruidoso da injustiça. Quando surge uma queixa que não traz nome, há professores — não todos, repito — que escolhem um alvo. Não necessariamente o culpado, mas o mais expedito, o mais honesto, aquele que tem a coragem de dizer o que pensa. E esse, por ousar ter voz, paga o preço. Tudo o que disser passará a ser interpretado como munição. Uma ameaça. Um incômodo. A integridade do encarregado é vilipendiada nas sombras, nunca às claras. E assim se mina qualquer possibilidade de diálogo autêntico. Já acreditei no trabalho conjunto. Hoje, não. Hoje, observo. Não opino, não explico, não partilho. Protejo-me. Porque também eu não tive direito ao contraditório. A queixa foi feita nas sombras; a resposta nunca teve palco, e nas sombras me atacaram, pior traumatizaram uma criança, espalharam boatos e isolaram uma criança. Que profissionalismo!?
É nestas experiências — que não são isoladas — que também se compreende o distanciamento de tantas famílias. Não é apenas desinteresse ou irresponsabilidade: por vezes, é defesa. São sequelas. Porque quando o encarregado de educação se transforma no antagonista e vê professores a escarnecer dele e do seu filho em conjunto, quase por instinto de grupo, até este desistir ou mudar de escola, a confiança quebra-se. E quando isso acontece, dificilmente se reconstrói.
Mas mesmo nesse lugar de antagonismo, de desencanto, de mágoa, mantenho algo intacto: a responsabilidade de educar os meus filhos para respeitarem os professores. Não por estes serem infalíveis. Mas porque o respeito não se negocia com ressentimentos. Ensina-se com valores. E acredito, sinceramente, que a formação começa em casa — e aí, cumpro o meu papel com firmeza.
Hoje, a escola é muitas vezes refém do medo — medo de represálias, de queixas infundadas, de julgamentos precipitados, de alunos que confundem liberdade com impunidade. Como pode alguém ensinar em paz sob constante ameaça? Como se constrói o futuro se a base do presente é instável e corroída pela permissividade? A verdade é dura: estamos a formar uma geração cada vez mais frágil emocionalmente, mas paradoxalmente mais agressiva, menos tolerante à frustração, e sobretudo, desprovida de noção de consequência.
Não se pode continuar a perpetuar a ideia de que tudo se justifica com diagnósticos rápidos ou desculpas esfarrapadas. A falta de educação não é uma condição clínica, é um sintoma social. E a resposta a ela não pode ser a condescendência. O que se impõe é uma mudança de paradigma, onde o respeito volte a ser um valor inegociável, onde a autoridade do professor seja restaurada e protegida — não por nostalgia, mas por necessidade civilizacional.
Punir agressões a professores não é um ato de vingança, é um acto de justiça. É, também, uma medida profilática: quem hoje insulta e ameaça, amanhã poderá tornar-se alguém incapaz de viver em sociedade, por nunca ter aprendido os limites do seu comportamento. E sim, acredito convictamente: não há educação sem receio. Não o receio da violência, mas o receio saudável das consequências. O respeito nasce muitas vezes da consciência de que certas linhas não se cruzam impunemente.
A cultura do "ninguém pode reprovar para não se traumatizar" está a fabricar uma geração de cidadãos impreparados para os embates inevitáveis da vida. Como esperar resiliência de quem nunca foi desafiado? Como formar carácter em quem sempre teve a realidade moldada às suas vontades?
Precisamos, urgentemente, de um pacto sério, transversal, entre escola, família e Estado. Um compromisso com a integridade, com a formação humana, com a exigência moral. Precisamos de parar de romantizar a adolescência como tempo de rebeldia e começar a vê-la como fase de construção. Precisamos, sobretudo, de voltar a respeitar os professores como pilares da sociedade que são — e exigir, também, que estes se mantenham dignos desse respeito.
Porque, no fim de contas, aquilo que plantarmos hoje — nas salas de aula, nas salas de estar, nas conversas de pais, nos corredores das escolas — será, inevitavelmente, o que colheremos amanhã como nação. E, sejamos honestos, não podemos continuar a colher violência, desrespeito e ignorância. Chegou o momento de restaurar o essencial. E isso começa agora.