Quando o Projeto Começa Antes de Começar

 A professora propôs um trabalho para as férias. Um daqueles desafios que não surgem apenas para preencher o tempo livre ou para manter os alunos ocupados, mas sim para lhes dar espaço para criar, pensar, imaginar — para se expressarem. Um tema foi lançado, claro e definido, mas a liberdade para interpretar, desenvolver e concretizar estava toda nas mãos dos alunos. Um convite subtil à criatividade, ao compromisso e à descoberta.

E bastou essa proposta, lançada antes do final das aulas, para o meu filho começar a fervilhar por dentro. As férias ainda mal tinham começado, mas ele já estava com o pensamento no que poderia vir a ser este projeto. E isso, por si só, diz muito: mostra que não se trata apenas de uma tarefa a cumprir, mas de algo que ele quer mesmo fazer, viver, construir.

Hoje foi o dia em que nos sentámos para conversar. A escola já ficou para trás, a rotina abrandou, os horários tornaram-se mais leves — e finalmente tivemos o tempo certo, a cabeça no lugar certo, para falar com calma. Ele chegou até mim com aquela urgência tranquila de quem tem pressa de criar, mas quer fazer tudo bem feito. Contou-me o que já andava a imaginar, as possibilidades que foi desenhando mentalmente, as dúvidas, as certezas que começam a formar-se.

E contou-me também que já tinha falado com a irmã. Foi ela a primeira a ouvir as suas ideias, a primeira a contribuir, a lançar sugestões. Uma troca entre irmãos que, mesmo sendo breve, foi essencial: porque as ideias tomaram forma no diálogo, mesmo que nenhuma tenha sido adoptada na íntegra. O mais bonito foi vê-lo a acolher essas sugestões com critério e respeito, a escolher partes, pedaços, a moldar tudo à sua maneira — com aquele espírito inventivo tão próprio dele, que não se contenta com o óbvio nem com o fácil. Depois falou com o pai e com o mesmo respeito demonstrado á irmã, retirou pedaços, partes das sugestões.

E então, depois de toda essa reflexão, veio até mim.

“Mãe, tu vais ajudar-me. És a mais artista.”

Confesso: o coração apertou-se com ternura. Não pela vaidade de ser escolhida, mas pela beleza do gesto. Ser chamada a participar neste processo criativo, ser vista como cúmplice, como alguém com quem vale a pena construir, é um privilégio raro. Há elogios silenciosos que dizem mais do que mil palavras. E naquele pedido havia amor, confiança e admiração. Havia, sobretudo, uma vontade genuína de partilhar.

Ainda não começámos. Hoje foi só o dia da decisão. Aquele momento precioso em que se escolhe o caminho a seguir. Não houve cortes, colagens, desenhos nem palavras escritas. Mas houve um início — talvez o mais importante de todos. Porque hoje nasceu a visão. E com ela, nasceu também a promessa de um trabalho feito com entrega, com envolvimento, com significado.

Durante as próximas semanas — ao longo destas férias que se desenham longas e livres — vamos dar corpo ao projeto. Vamos escolher materiais, experimentar formas, mudar de ideias a meio, rir das tentativas, orgulhar-nos dos acertos. Vai haver dias mais produtivos e outros menos inspirados. Mas o que sei já agora, ainda antes de tudo começar, é que este projeto vai ser muito mais do que um simples trabalho de férias.

Vai ser tempo de qualidade partilhado. Vai ser memória futura. Vai ser o registo silencioso de que criar juntos é, também, uma forma profunda de amar.

Porque hoje, sem colas nem cartolinas, sem lápis de cor ou folhas A4, começámos a construir algo. E já é especial.

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