Reflexão pessoal: História rocambulesca leva a amizade improvável... verdadeira.
2024 trouxe consigo uma sucessão inesperada de encontros e reencontros, apesar de todas as barreiras que, meticulosamente, erigi ao longo dos anos. Muros erguidos com determinação, na vã tentativa de me proteger do mundo, da decepção, da traição, da má-fé que tantas vezes se disfarça de amizade. No entanto, a persistência e a resiliência de algumas pessoas foram além dessas muralhas, insistindo em conhecer-me, ainda que parcialmente, desvendando, aos poucos, fragmentos do meu ser.
Antes de determinados eventos, já a minha confiança na humanidade se encontrava fragmentada – apenas 30% do que me rodeava era digno desse sentimento. Agora, após tudo o que vivi, se concedo 10% de confiança, já considero uma generosidade incomensurável. Aprendi, da forma mais árdua, que a ingenuidade não é sinónimo de bondade, e que a prudência não deve ser confundida com frieza. Entre aqueles que cruzaram o meu caminho neste ano singular, alguns são irmãos na fé. Sei, como poucos, que nem todos os que frequentam a Igreja são verdadeiramente bons, mas reconheço que há os que se destacam pela sua energia, pela autenticidade dos seus valores cristãos e pela humildade em reconhecer a própria imperfeição. Nunca busquei a perfeição nos outros, pois sei que esta é uma miragem enganosa – o que procuro são almas genuínas, firmadas em princípios católicos sólidos, que saibam admitir quando erram e que, como eu, estejam em constante busca pelo aperfeiçoamento.
No entanto, entre aqueles que não compartilham a mesma fé, houve uma pessoa em particular que se tornou um marco inesperado na minha jornada. Para essa pessoa, escrevo hoje.
A sua autenticidade desarmou-me. Num mundo onde a hipocrisia e a conveniência ditam muitas relações, a sua sinceridade foi um bálsamo inesperado. Confiou na minha palavra sem hesitação, esteve ao meu lado, escutou-me com paciência, segurou a minha mão com delicadeza quando necessário e, quando a vida exigiu, apertou-a com firmeza, oferecendo-me o apoio que eu, por tanto tempo, neguei precisar.
Recordo-me vividamente do nosso primeiro encontro. Após os eventos turbulentos de 2023 – eventos sobre os quais já escrevi neste mesmo espaço e que, graças a Deus, ficaram para trás –, ela abordou-me com uma naturalidade desconcertante. Lembro-me da sua pergunta inesperada: se estava tudo bem e se o meu filho já não frequentava determinado estabelecimento. O impacto foi imediato. Hesitei. Como poderia alguém, uma desconhecida, abordar-me com tamanha familiaridade? A minha resposta foi brusca, carregada de espinhos: “Não a conheço de lado nenhum. O que tem a ver com isso? É mais algum recado de pessoas alienadas da realidade? Não sou dona de nenhum hospício, nem psiquiatra.”
O seu olhar não vacilou. O que recebi em resposta não foi ofensa, nem indignação, mas uma assertividade tranquila, uma cordialidade desarmante. Não recuou, nem se deixou afetar pela dureza das minhas palavras. O destino, no seu capricho silencioso, levou-nos a partilhar um workshop, uma coincidência que jamais poderia ter antecipado. Eu, sempre na defensiva, ela, com uma compreensão serena que, inexplicavelmente, quebrava as minhas barreiras.
Falou-me de outros assuntos, respeitando o meu desconforto, mas sem fugir à verdade. Quando, finalmente, me disse que sabia o que tinha acontecido, surpreendeu-me a sua frontalidade. Agradeci a sua honestidade. Disse que conhecia a pessoa envolvida nos eventos que tanto me marcaram. Expliquei-lhe a minha versão, esperando – ou talvez temendo – um olhar de dúvida, uma hesitação, um julgamento silencioso. Mas o que recebi foi algo completamente distinto.
“Tenho a certeza absoluta de que não tens culpa nisso, eu sei que não foste tu. A única falha que tiveste foi não saberes proteger teu filho e a ti, tinhas de manter distância.”
Palavras tão simples, mas de um impacto avassalador. Fiquei em silêncio. Senti a verdade nelas. E, pela primeira vez em muito tempo, alguém que mal me conhecia afirmava, sem sombra de incerteza, aquilo que eu tantas vezes desejei que outros tivessem reconhecido. Como era possível? Como poderia alguém enxergar com tanta clareza o que tantos se recusaram a ver? O medo apoderou-se de mim. Temi estar a projetar ilusões, a ver nesta pessoa uma raridade inexistente. Mas ela existia. E a sua presença tornava a minha jornada menos solitária, menos árida. Compreendia os meus silêncios, respeitava o meu espaço, mas também sabia estar ali quando a solidão se tornava demasiado pesada.
Não busco heróis nem almas perfeitas. Sei que essa busca seria vã. Mas reconheço a beleza de encontrar alguém que, simplesmente, existe com autenticidade. Que permanece sem exigir. Que escuta sem julgar. Que compreende sem precisar de grandes explicações.
Hoje, ao escrever estas palavras, não o faço apenas para ela, mas também para mim mesma. Para recordar que, mesmo nos momentos de maior escuridão, há luzes inesperadas que surgem no caminho. E, por mais que os muros que construí sejam altos, há sempre aqueles que, sem derrubá-los à força, encontram uma forma de os atravessar com verdade, respeito e humanidade.
A ti, deixo um profundo agradecimento. Por teres acreditado na minha inocência desde o primeiro instante, por nunca teres hesitado no teu julgamento justo e sincero. Obrigada pelas horas intermináveis ao telefone, por me escutares, por partilhares comigo as tuas dores e alegrias, confiando nos meus conselhos, nas minhas palavras, na minha capacidade de compreender sem condenar.
Obrigada pelo carinho, pela paciência, pela generosidade que oferecemos uma à outra. Pelos abraços sinceros, pelo afeto que se tornou um refúgio em momentos difíceis. E, acima de tudo, pelo amor genuíno e incondicional que tens pelos meus filhos, pelo respeito e ternura com que os acolhes, como se fossem parte do teu próprio mundo.Que a vida nos permita continuar este caminho juntas, entrelaçadas na verdade, na empatia e no amor que transcende qualquer obstáculo. Não és uma "quase" amiga és muito mais. Te amo! Fazes parte da nossa família.