A bondade é uma escolha — e eu escolhi-me.

Há algo profundamente irónico, até hilariante, na forma como certas pessoas reagem à presença de virtudes humanas como se estas fossem uma ameaça ao equilíbrio do seu cinismo. Aproximam-se, farejam como cães desconfiados, e sentenciam: “Ninguém é assim tão bom. Está a fingir.” Como se a integridade fosse um disfarce carnavalesco. Como se a generosidade fosse um golpe de marketing. Como se a empatia não passasse de um truque de ilusionismo emocional.

Perdoem-me o sarcasmo. Mas é que há limites para o absurdo.

Eu não finjo. Sou mesmo assim — e não porque nasci iluminada numa noite estrelada sob um eclipse em Sagitário. Sou assim porque lutei, milímetro por milímetro, contra a versão mais selvagem, instintiva, impulsiva e egoísta de mim. Não me foi dada, esta versão que hoje vos fala. Foi construída — tijolo a tijolo, cicatriz a cicatriz, dia após dia, com uma disciplina quase monástica.

A minha honestidade? Foi afiada na forja das conversas difíceis que tive comigo própria. A minha paciência? Ganhou-se à força de falhanços, quedas e silêncios. A minha autenticidade? Foi forjada no desconforto de contrariar expectativas, de dizer “não” quando o mundo gritava “sim”, de continuar a ser quem sou mesmo quando ser eu me custava relações, lugares e pertenças.

Não sou ingénua — sei o que são os meus defeitos. Conheço-os como quem conhece vizinhos ruidosos que nunca se mudam, apenas mudam de quarto. Tenho dias em que eles gritam mais alto, em que me sabotam o silêncio, em que ensaiam monólogos no palco da minha mente. Mas não lhes dou palco permanente. Aprendi a encará-los, a dar-lhes nome, a esvaziá-los do seu poder.

Ser perspicaz, inteligente, atenta? Não é um troféu. É um resultado. Um caminho. Li muito, ouvi muito, errei ainda mais. A inteligência não é, para mim, uma bandeira de superioridade — é uma ferramenta de humildade. Não me interessa brilhar sozinha: quero aprender com quem sabe mais, pensar com quem pensa melhor, crescer com quem me transcende. A estupidez militante, essa que só escuta para responder, que transforma um diálogo num ringue de boxe e chama "opinião" à sua frustração mal disfarçada, essa… dá-me pena. Porque revela não uma mente limitada, mas uma alma assustada.

Nunca disse que sou escritora — e talvez por isso escreva com tanta liberdade. Não escrevo para provar nada, nem para competir na feira das vaidades literárias. Escrevo porque preciso. Porque é o meu laboratório interior, o meu espelho, o meu templo. A cada texto, reorganizo ideias, desfaço nós, invento caminhos. Não luto com canetas — danço com elas. E quanto mais escrevo, mais o vocabulário se expande, mais o pensamento se depura, mais a alma se alinha.

Sim, toco instrumentos. Sim, pinto. E sim, há um talento natural. Mas talento sem prática é ego com preguiça. O que é natural em mim, eu cuido como quem rega uma flor rara. Porque beleza sem intenção morre ao sol.

Não sigo modas. Sigo sinais. Sigo pressentimentos. Sigo olhares, vibrações, aquilo que não se explica, mas se sente. Tenho uma bússola interna que se orienta mais pela ética do que pela estética. E sim, sou curiosa. Tenho fome de saber, sede de arte, fascínio por tudo o que revele a grandeza e a fragilidade do ser humano.

Não me orgulho de feridas, mas honro as cicatrizes. Não transformo o meu passado num álibi para o que sou, mas numa referência do que não quero repetir. Não me escondo atrás de desculpas — enfrento consequências como quem carrega pedras preciosas: com respeito.

Portanto, antes de me acusares de ser “boa demais para ser verdade”, pergunta-te: não será essa desconfiança apenas um espelho da tua própria incapacidade de acreditar que a evolução humana é possível?

Eu não sou perfeita. Sou possível.

E trabalhei como poucas para me tornar real.

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