Estranhamente.
Eu muito raramente sonho, mas ontem sonhei. O mais estranho é que não recordo com quem estava a falar. Recordo que segurei em suas mãos e o que disse. No fim, abracei, passei a mão pelos seus cabelos com carinho, mas não recordo se era mulher ou homem, criança ou adulto. No entanto, as palavras lembro de todas. Hoje, quando estava a combinar o sítio onde uma amiga vinha buscar-me para irmos à Via Sacra, numa igreja perto do rio Tejo, contei-lhe. Ela também ficou admirada. Como posso recordar palavras vividamente de um sonho sem lembrar da pessoa com quem estava a falar? A mente humana tem com cada coisa...
Partilho o meu monólogo, visto não recordar com quem falei...
"Diz-me... como está o teu coração hoje?"
Às vezes finges que és forte quando, na verdade, estás quebrada. Quantas vezes não tens forças para te levantar da cama, mas ainda assim vestes uma personagem e sais de casa? Quantas vezes sorris só para disfarçar? Brincas com as pessoas que privam e cruzam contigo, para fingir que está tudo bem? E, na verdade, a tua alma está destruída por dentro, aflita, angustiada...
E para as pessoas? Muitas vezes disfarças aquilo que sentes, porque existem pessoas que só te aceitam se tiveres algo para oferecer em troca. Existem pessoas que só são amigas de quem tem dinheiro. Existem pessoas que só são amigas de quem pode beneficiar de algum jeito. Existem pessoas que só são amigas de alguém que tem carro… Sim, existem pessoas assim.
Mas nunca deixes que a tua dor caia em mãos que não sabem servir, ou seja vista por olhos que não sabem enxergar. Não deixes que a tua tristeza seja sabida por ouvidos que não sabem escutar, nem por bocas que não sabem calar. Que a tua dor não caia em corações que não sabem receber, pois esses são de pedra, desnutridos, áridos e sem vida.
A verdade é que a solidão da alma é mais pesada do que qualquer fardo físico. O que dói não é apenas a ausência de apoio, mas a presença de falsas companhias, de olhares vazios que não veem, de presenças ocas que não acolhem. O que dilacera não é apenas a tristeza, mas a necessidade de esconder essa tristeza para não ser julgada, para não ser descartada por quem só valoriza sorrisos e dias de sol. Como se o sofrimento fosse um incómodo, como se a vulnerabilidade fosse uma fraqueza, quando na verdade é a mais pura expressão da humanidade.
A alma humana é um mistério insondável. Carregamos dentro de nós um oceano de emoções, tempestades que ninguém vê, tormentas silenciosas que afogam os nossos sorrisos. E, no entanto, continuamos a caminhar. Porque acreditamos, mesmo sem perceber, que há algo além da dor, algo que nos espera do outro lado da tempestade. Há sempre um raio de luz escondido na penumbra, há sempre um renascimento depois do caos.
Mas sabes? Os dias tristes também têm fim. Hoje pode doer, pode parecer que nunca vais sair desse labirinto escuro. Mas a dor, tal como a alegria, é passageira. A tempestade nunca dura para sempre. E um dia, sem que dês por isso, vais perceber que o peso no teu peito já não está lá. Vais perceber que sobreviveste. E mais do que isso, vais perceber que renasceste.
Porque tu és mais forte do que julgas. E mereces muito mais do que quem só sabe estar presente quando lhe convém. Mereces amor genuíno, amizades verdadeiras, presenças que não se abalam quando os teus dias não são de sol. Mereces paz, mereces luz, mereces tudo aquilo que um coração puro é capaz de oferecer e receber.
Por isso, não te entregues ao desespero. Não deixes que a dor te defina. Aceita-a, vive-a, mas não te agarres a ela. Porque mesmo nas noites mais escuras, as estrelas continuam a brilhar. E um dia, quando menos esperares, vais perceber que a tua luz nunca deixou de existir – apenas precisava de tempo para voltar a cintilar.
E, talvez, aquele sonho tenha sido mais do que um acaso. Talvez tenha sido uma mensagem, um sussurro da minha própria alma a recordar-me que sou mais do que a dor que carrego. Que sou feita de força, de resiliência, de amor. E que, independentemente de quem esteve ali a ouvir-me no sonho, as palavras que disse eram, no fundo, para mim mesma, porque se for para alguém específico não vou conseguir alcançar e dizer, proteger e acarinhar. Não sei quem é!