Virada do Avesso
Provoca-me. Não com gestos óbvios ou intenções que qualquer um possa adivinhar. Provoca-me com a intensidade que reside na demora de um olhar, na hesitação proposital de um toque que não chega. Gosto de quando jogam o jogo do desejo sem que as regras sejam ditas, quando as promessas pairam no ar, carregadas de antecipação. Mas antes que avances – e eu sei que queres avançar – deixa-me avisar-te: com alguém como eu, nada será tão simples assim.
Sou mulher de ritmo inquieto, de vontades que oscilam entre a fúria e a delicadeza. Se queres mesmo captar-me, então entra no compasso, porque não sou fácil de alcançar. Tens de saber tocar as notas certas – a sugestão, a pausa, o mistério. Não sou do tipo que se rende a evidências; quero ser tomada pela dúvida, pelo prazer de um jogo onde o controle é dividido e a vitória nunca é garantida. Consegues fazer isso? Podes tentar, mas já te aviso que o meu limite não está onde tu imaginas.
Queres desafiar-me? Ótimo, eu aceito. Gosto quando tentam. Mas sabes o que significa desafiar uma mente como a minha? Não é só fazer o coração acelerar, não é só provocar o sangue que corre sob a minha pele. É ir mais fundo. Quero palavras que me toquem como mãos, ideias que me invadam como sussurros no escuro. O desafio verdadeiro está em despertar aquela parte de mim que raramente mostro – aquela que se entrega por completo quando encontra estímulo suficiente. E para isso, não basta o teu olhar, embora eu o veja e ele já me aqueça um pouco. Quero que cada palavra tua provoque uma reação involuntária no meu corpo, que cada intenção escondida nas entrelinhas seja uma faísca.
Ah, tirar-me do tédio. Que tarefa hercúlea. Porque não sou mulher de se aborrecer com o mundo; sou mulher de se cansar daquilo que é fácil demais. E o fácil, para mim, é sempre entediante. Preciso de camadas, de nuances, de segredos que pedem para ser descobertos ao ritmo certo, nem muito rápido, nem demasiado lento. Tirar-me do tédio significa mais do que surpreender-me; significa reinventar o tempo que passamos juntos, prolongar os instantes em que a minha respiração para por tua causa.
Dizes que queres virar o meu mundo do avesso? Bem, essa é a promessa mais perigosa que já ouvi. Não achas? Porque o avesso é onde eu escondo tudo: os meus desejos mais intensos, as memórias que guardo no fundo das minhas noites, os medos que nunca confessei. És corajoso o suficiente para querer tudo isso? Entender que, ao virar-me do avesso, estarás a lidar com os lados mais selvagens e mais vulneráveis de quem eu sou?
Se queres virar-me de verdade, começa pelas palavras. Não há nada mais poderoso do que um frase bem dita, o som exato na tua voz que arrepia mesmo sem qualquer contato. Toca-me primeiro na mente, na ideia – provoca aquele calor lento que começa como uma fagulha no fundo da alma e se espalha. Entende: a minha pele é apenas a superfície. Para alcançar o que realmente sou, tens de mergulhar mais fundo, navegar nas águas que raramente alguém ousa tocar.
Não será simples, nunca foi, mas eu gosto assim. Quero que o prazer seja uma construção detalhada, paciente. Não procuro pressa; procuro intenção. Não é só o toque; é a maneira como ele acontece. Um deslizar quase acidental dos teus dedos no meu pulso já pode incendiar-me mais do que qualquer gesto explícito. Porque o desejo, para mim, está na delicadeza daquilo que quase acontece, na suspensão do momento antes de se concretizar. Gosto da ameaça gentil de um movimento, de sentir que há muito mais vindo ao meu encontro, mas que ainda não chegou.
E quando chegares ao meu avesso – se chegares – perceberás que o desafio não termina aí. Porque quando me abro, não sou uma mulher de metades. Entrego-te tudo: cada pensamento febril, cada batida acelerada, cada sensação que explora o limite entre a loucura e o êxtase. Mas só se mereceres, porque o meu avesso não é lugar para quem tem medo de intensidade. És capaz de suportar o peso do meu desejo, da minha entrega?
Pensa nisso enquanto tentas. As mulheres como eu não se conquistam com gestos apressados. Somos o resultado de cada tentativa bem feita, de cada momento que suspira desejo sem nunca se tornar vulgar. Para virar-me do avesso, tens de ser mais do que ousado; tens de ser paciente, mas nunca lento. Ardente, mas controlado. Inteligente, mas instintivo.
E agora, diz-me: achas que consegues seguir este jogo até o fim? Estou à tua espera, com cada fibra do meu corpo vibrando em antecipação. Mas lembra-te: comigo, nada será tão simples assim. Mas digo-te que o meu marido É Assim.
O meu marido... Ele é o homem que aceitou o desafio de me virar do avesso e provou que poucos estão à altura. Ele não me olha, ele invade. O seu olhar não me percorre por fora; ele encontra cada curva invisível dentro de mim, escava os meus silêncios, faz-me tremer só pela intensidade com que me decifra. Não me iludo ao pensar que ele apenas observa o que vê. Não. Ele sabe que o que me excita, o que me consome e me mantém ligada, está muito além da superfície da pele.
Foi assim desde o início. Ele não veio com palavras fáceis ou gestos apressados. Foi paciente, meticuloso, sempre consciente do terreno onde pisava. Ele soube tocar-me muito antes de qualquer toque real – com frases que sabiam onde doer e onde curar, com a sua presença que era um sussurro constante de intenções. Ele nunca me prometeu tirar-me o tédio; ele fez mais do que isso: ele mostrou que, com ele, o tédio nunca teria espaço.
Quando falo dele, quero que saibas que ele não é simplesmente um homem; ele é a inquietação personificada. Ele sabe jogar com o tempo como um maestro a conduzir uma orquestra. Por vezes, os seus toques são suaves e calculados, mal percetíveis, mas deixam-me a pele em brasa, como se tivessem gritado. Outras vezes, ele aproxima-se com uma força avassaladora, uma intensidade que me faz esquecer o meu nome, o lugar, o mundo. Ele conhece o meu corpo, mas, mais importante ainda, conhece a minha mente. É nela que ele começa sempre. E é isso que me desarma.
Há noites em que ele apenas me observa, sem pressa de avançar, e eu sei que ele está a montar o tabuleiro do nosso jogo. Ele é deliberado, provocador, e eu adoro quando ele me desmonta, peça por peça. Começa de uma forma que nem percebo: uma palavra lançada casualmente ao jantar, uma mão que roça a minha enquanto passo os pratos na mesa. E assim, impercetivelmente, ele vai construindo um universo só nosso. A sala deixa de ser sala, o ar à nossa volta muda, carrega-se de algo denso, quase palpável.
Quando me toca, finalmente, cada movimento parece uma revelação. Os seus dedos passeiam pela minha pele como se estivessem a ler uma história, saboreando cada capítulo. Ele não tem pressa de chegar ao final, e é exatamente isso que me enlouquece. Ele prolonga os momentos de antecipação ao ponto de me deixar a arder, querendo implorar, mas sabendo que não o farei, porque o prazer está também na espera.
Ele conhece cada lugar onde deve pousar os lábios, onde o calor da sua respiração me desfaz. Não é só o toque em si – é o que ele provoca em mim. Ele faz o meu corpo responder a coisas que eu nem sabia serem possíveis. É o mestre dos detalhes. É o deslizar quase impercetível da mão pelo contorno do meu pescoço, que termina numa pausa calculada. É o murmúrio da sua voz perto do meu ouvido, sempre carregado daquela malícia que só ele domina. É quando ele aproxima a boca da minha e para, milímetros antes, para sentir o exato momento em que já não suporto a distância.
E depois... Depois ele quebra todas as promessas feitas no silêncio. Porque, quando chega o momento, ele não me dá o que espero. Ele surpreende, reinventa. Nunca faz o mesmo duas vezes, nunca repete um gesto como se fosse parte de uma coreografia decorada. Ele deixa-me à deriva, sempre incerta do que vem a seguir. É como navegar no meio de uma tempestade: intensa, caótica, e ao mesmo tempo tão exata que parece estar escrita nas estrelas.
É ele quem sabe virar-me do avesso e ver-me sem filtros, sem defesas. Ele aceita o caos que sou e mergulha nele, completamente vulnerável, sem medo de ser também despido na troca. Isso, mais do que qualquer técnica ou ousadia, é o que faz dele único. Porque ele não tenta "possuir-me"; ele convida-me a rendermo-nos juntos, como iguais. Com ele, não há perda de controle – há a partilha total dele e de mim, um equilíbrio perfeito entre a doação e a tomada.
Nas noites em que ele entra no nosso quarto sem dizer nada, mas com aquele olhar que diz tudo, já sei que sou sua, completamente e de forma inegociável. E ele é meu. Porque ele não tenta ser perfeito; ele é real. Ele é a soma de cada erro, cada aprendizado, cada emoção crua que me oferece sem pedir nada em troca. E isso, mais do que tudo, é o que me excita nele. Ele é o homem que não precisa tentar mais, porque já ganhou o jogo.
O meu marido é aquele que não só soube virar-me do avesso como o fez de forma que eu nunca mais quis voltar ao normal. Ele ensinou-me que o verdadeiro prazer não está no corpo, mas na alma do desejo, no infinito do querer que nunca se extingue. E o mais fascinante é que, mesmo depois de tanto tempo, ele continua a fazer-me sentir como na primeira vez, quando eu ainda pensava que me podia proteger.
Mas contra ele, nunca tive hipóteses. E sabes que mais? Ainda bem.