A Saudade da Minha Essência

 Hoje, ao mergulhar nos confins da minha alma, permito-me recordar quem um dia fui: uma criança deslumbrada com o mundo, uma pequena criatura de risos soltos e despreocupados, onde a alegria fazia do meu peito a sua morada constante. Saudades de um tempo em que viver era sinónimo de leveza, em que os dias pareciam infinitos e cada instante era uma bênção que, ainda que inconsciente, era plenamente aproveitada.

Relembro com uma ternura melancólica a pureza que outrora habitava em mim. Uma inocência imaculada, quase sagrada, de quem desconhecia a mácula do mundo, de quem nunca havia provado o amargo veneno do pecado ou da culpa que agora, em certos momentos, ousa percorrer as veias da minha existência. Que saudade, não apenas das ações simples e genuínas, mas do estado natural da minh’alma, limpa e resplandecente, como um riacho virgem que corre sereno por entre pedras intocadas.

Se fecho os olhos, é impossível não ver a pequena criança que um dia fui. Ela ainda vive aqui, perdida em algum recanto do meu ser, escondida, talvez à espera de que eu a resgate. Lembro-me de como curava feridas rápidas, com uma lágrima breve, seguida de um riso cúmplice de quem sabe que tudo passa. Lembro-me de como contentava-me com o pouco, com aquilo que estava à mão: uma caixa tornava-se um castelo, uma poça de água era o cenário ideal para uma aventura. A imaginação alimentava-se do simples, e a vida era, acima de tudo, completa pelo que tinha, não pelo que me faltava.

Ah, saudade do meu coração inteiro, pleno, sem as fendas e as cicatrizes que hoje o marcam. Era um coração que não conhecia o peso do medo, do luto ou da desilusão; pulsava livre, forte e em paz. Que diferença avassaladora vejo entre este coração marcado pelas batalhas da vida e aquele que um dia batiam com inocência, de modo tão destemido e genuíno.

No entanto, nesta saudade há também esperança, porque cada memória é um lembrete de que aquela essência não se perdeu para sempre. Permanece viva, mesmo que adormecida, e cabe-me a mim reacendê-la. Talvez não consiga apagar as cicatrizes ou redescobrir a total inocência de outros tempos, mas posso, sim, reviver a alegria sincera, valorizar o que tenho e reacender a gratidão que sempre habitou em mim.

Recordar com saudade, portanto, não é lamentar o que se perdeu, mas reconhecer a beleza do que se viveu e redescobrir o caminho para que aquela criança interior continue a brilhar. Que os risos voltem a fazer morada, que o amor cure as cicatrizes e que, mesmo diante das sombras da vida adulta, eu possa reencontrar aquela bênção de simplesmente viver.

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