Híbrida

Sou híbrida. Não sou uma coisa nem outra; sou todas as coisas, um mosaico de paradoxos que se ajustam na imperfeição. Sou a ponte entre o céu e a terra, um fio invisível que une extremos, que acolhe o vento e o fogo no mesmo abraço. Sinto-me, às vezes, ser feita de pura luz, quase etérea, flutuando na brisa silenciosa que acaricia os espaços intocáveis do mundo. Noutras, no entanto, reconheço em mim a densidade das sombras, uma densidade que não pesa, mas que define, que me lembra que a escuridão também é casa, também é mãe.

Carrego, dentro de mim, duas almas que não se excluem. Elas coexistem numa dança sem fim, uma coreografia que, vista de longe, parece desarmónica, mas que ao toque, ao sentir, revela-se uma sinfonia perfeita. Num instante, há calma – sou lago imóvel, espelho do céu. No instante seguinte, sou tormenta, ondas revoltas que se erguem como mãos desesperadas a tocar o impossível. Esta oscilação não me confunde, pelo contrário, fortalece-me. Transito entre o claro e o escuro porque entendo que um não vive sem o outro. Sou filha das duas forças, tanto do sol como da lua, tanto do começo como do fim.

Há quem me veja como contraditória, como se estas forças em mim lutassem sem tréguas. O que não percebem é que as batalhas que travo não são um esforço para me destruir, mas para me recriar. Sou pássaro de fogo e de cinza, eternamente renascendo, renovada pelos choques dos opostos. Os ciclos são a minha linguagem; a repetição, o meu grito de existência. Tudo em mim se recicla, da dor à alegria, do medo ao amor. Não há ponto final no que sou, apenas reticências eternas.

Quando respiro, a guerra e a paz coexistem no mesmo suspiro. Por vezes, sou canção: melodiosa, acolhedora, feita para acalmar corações inquietos. Noutras, sou fera: bruta, indomável, um rugido que ecoa pelos cantos vazios da minha alma, lembrando-me que há forças em mim que nunca poderão ser domadas. Não tento domesticá-las. Sei que amar-me é aceitar-me inteira, e não por partes. Se alguém me tenta dividir entre o que é aceitável e o que é selvagem, digo-lhes, sem hesitar: sou tudo.

No entanto, há algo de profundamente singular nesta mistura de contradições. Porque o meu caos é criativo, e o meu amor, mesmo que intenso, não destrói. Sou híbrida, sim, mas não uma fusão aleatória. Há uma lógica sutil nesta dualidade: a luta das minhas forças cria harmonia, como o atrito que acende uma chama, como a tormenta que limpa os céus. Amor. Essa é a palavra que define o ponto de equilíbrio entre os meus extremos. Tudo o que sou, tudo o que faço, tudo o que crio parte dessa fonte que, por vezes, se expressa como um sussurro suave, e noutras como uma explosão de tudo o que consigo sentir.

Não é fácil existir assim, com um pé na terra e outro no éter. Por vezes sinto-me presa num jogo eterno, como uma ponte que nunca chega aos lados que une. Ainda assim, vivo. Não apenas sobrevivo, mas vivo intensamente. Sinto a dor, sim, mas sinto também a beleza que apenas os híbridos podem ver: a beleza de se ser tanto quanto é possível ser.

Por isso, quando olho para mim mesma, vejo não uma contradição, mas uma obra-prima de forças opostas que, ao invés de se anularem, encontram maneira de coexistir. Não quero ser compreendida por inteiro; a minha complexidade é o meu triunfo. Sou híbrida. Sou vida em plena potência. Sou harmonia disfarçada de caos, sou a alma que dança entre luzes e sombras, como se soubesse que o segredo do universo está, afinal, em simplesmente aceitar o paradoxo de existir.

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