Reflexão: Liberdade condena ou salva.

A frase de Jean-Paul Sartre ressoa profundamente em mim, como uma advertência constante e inescapável da condição humana: somos condenados à liberdade. É um paradoxo inquietante e, ao mesmo tempo, uma declaração de autonomia absoluta. Na liberdade, reside o peso esmagador da responsabilidade. Não há escapatória. Tudo o que faço, digo ou escolho não dizer carrega consequências, tece relações, molda mundos — mesmo na quietude aparente do silêncio.

Quando falo, as palavras são como flechas disparadas num campo de possibilidades infinitas. Elas podem acertar alvos que iluminam consciências, mas também podem ferir, mutilar. Palavras têm peso, e muitas vezes são mais carregadas do que queremos admitir. Já percebi, em momentos de reflexão, que cada frase dita, cada gesto de comunicação explícito ou implícito, cria ondas num lago invisível que se espalham para além do meu controlo.

Mas o silêncio... Ah, o silêncio é um território tão vasto quanto as palavras, e igualmente perigoso. Como mulher que medita sobre estas coisas, reconheço que há momentos em que escolho o silêncio como refúgio, mas nunca como inocência. O silêncio é um grito abafado, um gesto camuflado, uma escolha que também comunica. Não há como escapar ao significado — até o vazio é preenchido por interpretações. Quantas vezes o meu silêncio foi tomado por consentimento, por frieza ou indiferença, quando na verdade era um grito de prudência ou de dor?

Sartre obriga-me a encarar uma verdade crua: viver é comprometer-se. Mesmo na recusa de agir, eu estou a agir; mesmo na omissão, eu estou a influenciar. Não há neutralidade absoluta, porque existir é ocupar um espaço, deixar uma marca, alterar a paisagem. Somos criadores e destruidores em simultâneo, artífices de realidades que surgem da tessitura das nossas escolhas e das nossas recusas.

Há uma dimensão profundamente ética nesta condenação à liberdade. Cada palavra ou silêncio meu não apenas reflete quem eu sou, mas também contribui para o que o mundo se torna. Este pensamento traz-me não apenas inquietação, mas uma sensação de urgência moral. Como posso não ser vigilante? Como posso não escolher com cuidado, sabendo que cada escolha ecoa para além de mim? Mesmo no caos do mundo, no aparente absurdo da existência, é inegável que somos responsáveis. Essa liberdade, que tantas vezes parece um fardo, é também a nossa maior grandeza.

Ao pensar nisto, sinto que Sartre não me deixa outra opção senão abraçar o risco, viver com intensidade, aceitar o peso das consequências. Se o silêncio pode ser tão eloquente quanto o discurso, então que cada silêncio meu seja deliberado, que cada palavra seja uma construção consciente. Não posso evitar ser responsável. Posso apenas escolher sê-lo de forma lúcida e plena, sabendo que, entre palavras e silêncios, traço inevitavelmente o meu rasto na eternidade.

Ao refletir sobre a frase de Jean-Paul Sartre e a nossa condenação à liberdade, não posso deixar de traçar um paralelo com os ensinamentos de Jesus Cristo. A liberdade que Sartre apresenta como um fardo inexorável, Cristo ressignifica como um dom divino, uma graça que nos chama à responsabilidade não apenas pelo nosso ser, mas pelo amor ao próximo. Se somos condenados à liberdade no sentido existencialista, somos também convidados a usá-la como um caminho de comunhão e salvação.

Nas palavras de Jesus, "a boca fala do que o coração está cheio" (Lucas 6:45). Aqui, Ele alerta para a força criadora e destrutiva das palavras. Assim como Sartre, Cristo reconhece que não há neutralidade completa; as nossas palavras e ações revelam a verdade do nosso interior e têm impacto direto sobre o mundo à nossa volta. Mas Cristo vai além. Ele não apenas aponta o peso da liberdade; Ele oferece um modelo de como exercê-la: no amor, na verdade, na justiça.

Porém, o que dizer do silêncio? Cristo, em sua vida terrena, foi o exemplo perfeito do uso ponderado do silêncio. Diante de Pilatos, permaneceu em silêncio (João 19:9), não por indiferença, mas porque sabia que nem todas as verdades são para serem gritadas, e nem todos os ouvidos estão prontos para ouvir. O seu silêncio falava mais do que qualquer palavra poderia comunicar. Nele, encontramos a lição de que o silêncio, quando bem escolhido, é também um ato de amor, de entrega, de obediência ao Pai. Contudo, Ele nunca permaneceu em silêncio quando a verdade precisava ser proclamada. Cristo sempre escolheu falar quando o amor exigia.

Jesus ensina-nos que a verdadeira liberdade não é agir conforme os nossos desejos ou fugir da responsabilidade, mas assumir o compromisso de viver para o outro. Na parábola dos talentos (Mateus 25:14-30), Ele mostra que até a omissão é julgada: o servo que enterrou o talento por medo não foi poupado. Esta parábola recorda-nos que não agir, não falar, não tomar uma posição também é uma escolha — e seremos responsáveis por ela. Não podemos enterrar o dom da liberdade que Deus nos concedeu; somos chamados a multiplicá-lo em ações que refletem o amor de Cristo.

Assim, em Cristo, o peso da liberdade torna-se luz. Ele carregou o fardo do pecado humano e, ao fazê-lo, libertou-nos para vivermos de forma autêntica, guiados pela verdade e pelo amor. Quando usamos as palavras para edificar, e o silêncio para refletir ou respeitar, estamos a responder ao convite de Jesus: "Que a vossa palavra seja 'sim, sim; não, não'" (Mateus 5:37). Nesta simplicidade, há uma profundidade que une a liberdade à responsabilidade, transformando cada escolha, cada palavra ou silêncio, num ato de amor ao próximo e de louvor a Deus.

No fundo, tanto Sartre quanto Jesus lembram-me de que não há neutralidade; mas Cristo oferece-me algo mais: a esperança de que, ao escolher com amor, as minhas palavras e os meus silêncios tornam-se sementes do Reino de Deus. E nesta liberdade, encontro não uma condenação, mas a promessa de vida em plenitude.







Mensagens populares deste blogue

Ousadia Incompreendida

O Corpo Não Mente

Reflexão -Quando se diz tudo, em silêncio também.