Talvez...

Talvez eu seja, de facto, um mosaico singular de tudo o que vivi, li, senti e observei. Sou uma tapeçaria intricada, tecida com fios finíssimos que recolhi ao longo dos dias, como uma colecionadora meticulosa que, diante de cada momento, extrai uma essência, um fragmento, uma sombra de significado. Sou composta por pedaços de livros que me moldaram, onde cada frase marcante deixou em mim uma cicatriz ou uma flor, invisível ao olhar alheio, mas profundamente enraizada no meu ser.

O meu olhar absorve o mundo como uma esponja subtil, um tradutor silencioso das complexidades que me rodeiam. Cada detalhe captado — a curva de um sorriso, o jogo de luzes numa manhã de inverno, o tom melancólico de uma canção — inscreve-se em mim como uma memória que, mais tarde, retorna para dar forma às minhas reflexões. Sou um pouco da melodia doce das músicas que me embalaram nos dias de solidão e também do estrondo das sinfonias que fizeram vibrar o meu espírito nos momentos de euforia. Sou uma nota ressoante, ora baixa e grave, ora alta e aguda, um som que ecoa de forma única, moldado pela harmonia ou pela dissonância da vida.

Também trago comigo as marcas deixadas por aqueles que me são queridos. Cada amizade, cada amor, cada vínculo humano é um espelho que reflete uma parte de mim que, talvez, eu nunca tenha percebido. Sou um mosaico de afetos partilhados, um reflexo das trocas silenciosas e barulhentas que dão cor à minha existência. Há em mim risos guardados como tesouros e lágrimas que regaram o terreno fértil das minhas emoções. Há algo de belo e caótico em como cada um deles deixou em mim um rastro indelével.

Os sentimentos que me habitam são vastos e contraditórios. Carrego a força de uma maré e, ao mesmo tempo, a fragilidade de um cristal. Sou, por vezes, empática ao extremo, quase como se a dor do outro me perfurasse, e noutras, sou um mistério fechado, inacessível até para mim mesma. As minhas fraquezas coexistem com as minhas virtudes, formando uma dança descompassada que, no entanto, tem a sua própria harmonia interna.

E o que dizer do que ficou de ti em mim? O que deixaste em mim transcende palavras e explica-se apenas na linguagem intraduzível dos olhares, dos gestos, das ausências que falam mais alto do que qualquer presença. És um eco persistente no meu âmago, uma sombra que, embora subtil, moldou parte da luz que sou. És, talvez, a prova viva de que o outro não é apenas uma figura externa, mas também uma parcela de nós mesmos.

Contudo, em essência, há algo em mim que não se explica por livros, pessoas, paisagens ou melodias. É algo que vive num território delicado e indecifrável, uma essência que é só minha, feita de mistério e silêncio. Sou, no fundo, uma mistura infinita de memórias, sentimentos e possibilidades, mas também sou o que não se pode nomear, o que não se pode entender plenamente. Sou um enigma em constante descoberta, uma existência que dança entre o tangível e o imaterial, entre o que fui, o que sou e o que serei.

E, assim, sigo. Sigo a ser esta mulher de palavras, de sentimentos e de silêncios. Sigo a ser um pouco de tudo e, ao mesmo tempo, algo absolutamente único.










 

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