Tramas do Tempo

 Ah, se eu pudesse! Se as minhas mãos frágeis tivessem a destreza de uma artesã divina, há muito teria reparado os erros que cruzei ao longo da vida. Imagino-me, sentada diante de um tecido antigo, a tramas já gastas pelo peso do tempo, mas ainda forte o suficiente para aguentar novas linhas, novas histórias.

Pegaria uma agulha fina e firme. Primeiro, alinhavaria os pedaços rasgados de decisões mal feitas, pontos ligeiros, delicados, só o suficiente para sustentar o tecido do passado enquanto ajusto os detalhes. Não há pressa para esconder as marcas; antes quero integrá-las. São as cicatrizes das escolhas que me formaram, que mesmo imperfeitas moldaram o que sou hoje. Cada fio que passasse seria impregnado da sabedoria tardia que só os anos podem trazer.

Depois, traria cores ao cinzento do que ficou para trás. Bordaria flores de pétalas largas e vibrantes por cima da saudade. Lilases, azuis e dourados... Ah, que exuberância de matizes. Transformaria cada ausência numa lembrança celebrada, uma memória abraçada em ternura. Haveria espaço para cada partida, cada despedida, mas todas elas cobertas de beleza intemporal, como um manto de consolo para o coração.

Mas e as doces lembranças? Ah, essas são jóias preciosas, intocáveis e sagradas. Costurá-las-ia com ponto miúdo, perfeito e resistente. Seria como desenhar em seda; a linha a dançar com precisão, fazendo sobressair o brilho do que já vivi. Cada riso, cada olhar cúmplice, cada dia de sol guardado nas horas felizes ficaria imortalizado no meu bordado. Nenhum canto seria esquecido, nenhum momento deixado à mercê do esquecimento.

Mas não me limitaria ao passado, sabes? Como costureira do tempo, teria também a audácia de cerzir o futuro. Criaria rendas tão finas que só o espírito poderia tocar. Deixaria espaços vazios propositadamente, como pequenos convites ao inesperado, porque, no fundo, o imprevisto é o que faz o tempo pulsar.

E quanto às minhas falhas — ah, essas seriam desenhadas à parte. Usaria linhas contrastantes, como numa tapeçaria de contrastes, porque é importante não esconder a vulnerabilidade que nos humaniza. Transformá-las-ia em pontuações gráficas na história bordada da minha vida.

À medida que a obra fosse tomando forma, seria como ver a alma desdobrar-se num espaço tangível. O meu trabalho de costureira do tempo seria não apagar, mas reinventar, embelezar e reinterpretar. E, por fim, terminaria, não com um ponto final, mas com nós desfeitos, que a história — ah, que sempre a história — pudesse continuar.

Se eu pudesse, bordaria o mundo inteiro.







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