Confissões do Tempo e dos Caminhos
Confesso que a vida, com a sua irónica habilidade de reinventar os nossos planos, me conduziu por trilhos que jamais imaginei pisar. Não me levou pela estrada reta e previsível que desenhei em sonhos ingénuos de há duas décadas. Pelo contrário, arrastou-me pelos becos estreitos e escadas escarpadas que jurei que nunca, mas nunca, escalaria. E não só as subi, como as enfrentei apressada, dois degraus de cada vez, como quem corre de algo ou corre em direção a algo que ainda não consegue entender.
Houve amigos cuja importância parecia eterna, ligações que acreditei serem tão sólidas quanto pedra, mas que agora não passam de memórias vagas, quase indiferentes. Em contraste, encontrei almas radiantes pelo caminho – pessoas maravilhosas e improváveis, que transformaram o meu mundo de formas que nem consigo traduzir em palavras, mas que, se os visse anos atrás, provavelmente teria passado ao lado sem oferecer sequer uma troca de olhares ou um café.
Lutei, com todas as forças, por causas que julgava nobres, por batalhas que, na altura, tinham o peso do mundo. Perdi-me a investir tempo, energia e até partes de mim em ideais que agora observo com a serenidade distante de quem entende que o esforço foi inglório. Causas perdidas, sim, mas não fúteis. Ensinaram-me algo essencial: que a vida tem o estranho hábito de nos desviar do que pensamos ser importante para nos entregar ao que realmente é. O sentido da minha vida, descubro agora, raramente estava nos grandes momentos em que tanto apostei. Não foi encontrado em vitórias memoráveis, prémios almejados, ou acontecimentos avassaladores. Não. Apareceu, de forma quase tímida, nos pequenos gestos e nos segundos fugazes que, há 20 anos, eu teria ignorado como se fossem sombras banais. O calor de um abraço inesperado, uma palavra gentil num dia difícil, o simples som de um riso sincero – estes tornaram-se os pilares do meu significado.
Por onde eu disse que nunca iria, a vida insistiu que fosse. Fez-me percorrer atalhos desiguais, terrenos lamacentos, trilhas que julguei indignas dos meus passos. Mas foi exatamente nesses caminhos onde mais aprendi, onde mais cresci. Se olhasse agora para quem era naquela altura, não sei se me reconheceria. Provavelmente questionaria as escolhas que fiz, as renúncias que aceitei, as dores que carreguei. E, mesmo assim, agradeço. Porque as curvas que jurei evitar foram as que moldaram a pessoa que vejo hoje.
Talvez a maior verdade da vida seja a sua habilidade de subverter os nossos planos. Faz com que as promessas feitas a nós mesmas sejam quebradas com o mesmo fervor com que as jurámos cumprir. Ri-se suavemente das certezas que proclamamos ter e deixa-nos diante de surpresas que, apesar do espanto inicial, acabam por encaixar-se na nossa narrativa com uma perfeição desconcertante. Agora, com todos os erros acumulados e todas as promessas quebradas, posso afirmar que não mudaria uma só decisão. Não pelo conforto de um discurso otimista, mas porque cada tropeço, cada desvio e cada escada improvável me trouxe até aqui. O aqui onde posso perceber, finalmente, que a vida se faz tanto de perdas quanto de ganhos, tanto de momentos planejados quanto de encontros fortuitos.
O que resta de tudo isso é a aceitação de que a vida é uma dança em que raramente temos o controle do ritmo. E, mesmo quando os passos parecem desalinhados, há algo de incrivelmente belo no descompasso. Afinal, no meio do improviso, é onde aprendemos a nos deixar levar.