Tudo o Que o Amor Tem

Já não me pesa o relógio,

nem a ausência do troco.

Se há tabaco ou café,

é detalhe — não destino.


Desaprendi a urgência.

Hoje sei que o mundo gira

mesmo sem o meu protesto,

sem o meu punho no ar,

sem o meu nome a ferver na boca dos outros.


Não quero o ouro,

nem o eco.

Quero o silêncio onde cabe o universo.


Não me vejam como quem cede —

cedo apenas à lucidez.

Não brado, não conspiro.

Não recito o papel que me escreveram em gritos.


A minha luta é outra:

desmantelar o tumulto,

plantar calma onde havia pressa,

beber o instante sem o corromper com planos.


Quero paz.

Mas não a paz dos mortos —

a dos vivos que já não fogem de si.


Quero amor.

Mas não o que prende —

o que abre janelas e diz: fica, se quiseres.


Quero tranquilidade.

Mas não a do tédio —

a da alma que, depois da tormenta,

descobre que não precisa vencer

para, enfim, estar inteira.


Já não quero cópias —

nem de mim, nem dos outros,

nem daquilo que a vida me tentou vender como felicidade.

Já não suporto o gesto ensaiado,

a palavra que soa bem mas diz nada,

as almas que fingem profundidade como quem põe perfume sobre o vazio.


Quero o contrário de tudo isso:

quero o cru, o primeiro, o que ainda não tem nome,

quero o gesto que escapa à pose,

a palavra que não precisa ser bonita porque é verdadeira.


Não quero só — quero tudo o que o amor tem.

O silêncio que não pesa.

O olhar que entende sem precisar traduzir.

O toque que não reclama posse.

O abraço que não fecha, mas abre um espaço dentro de mim.


Quero viver, mas não a correr —

não com o tempo aos gritos no ouvido como um capataz de horas.

Quero viver dentro do tempo,

como quem mora no corpo com calma e sabe onde guarda a alma.


O tempo urge, sim —

mas não me leva no seu relâmpago.

Eu escolho o passo.

E se for para ir depressa, que seja só no coração.


Quero conversas —

mas não dessas que se esvaziam mal se dizem.

Quero as cheias.

As que não têm pressa de acabar.

As que sabem parar no silêncio,

as que mergulham sem pedir licença,

as que ferem e curam —

porque a verdade, às vezes, dói antes de libertar.


Quero estar com quem sabe não saber.

Com quem ama em vez de explicar.

Com quem vive no real e não nas promessas.


Já não quero os grandes gestos,

as frases feitas,

o aplauso fácil.


Quero a paz de um sofá partilhado,

o lume baixo de um jantar simples,

as mãos dadas quando ninguém está a ver.


Quero o amor que se fica.

O que sabe a morada, e não a passagem.


Quero o que não se compra.

O que não se mede.

O que se vive — inteiro, mesmo quando dói.


Quero a vida que não vem no catálogo.

A que se constrói a dois,

com paciência, com riso, com tropeços,

com palavras ditas às duas da manhã

e silêncios que não assustam.


Quero tudo.

Mas só se for verdadeiro.


Porque de metades e de máscaras,

já está cheio o mundo.

E eu, agora, só tenho espaço

para o que é real.

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