O Tempo em que o Alexandre Sorriu
Existiu um tempo, pensava eu, em que a comunicação entre duas pessoas era mais do que troca de palavras – era um encontro de almas. Um tempo em que, ao sentar-me com ela, havia escuta, havia partilha, havia a esperança ingénua de que caminhávamos na mesma direcção. Existiu um tempo em que as nossas conversas eram longas, animadas, até entusiasmadas. Falávamos de ideias, de valores, de crianças e dos nossos papéis no mundo. Existiu um tempo em que pensei que éramos aliadas.
Pensava eu.
Com o tempo, esse espaço comum foi-se esbatendo. As palavras começaram a pesar. O que antes era cumplicidade tornou-se descompasso. O que era diálogo transformou-se em atrito. Fomos deixando de nos ouvir, de nos compreender. E talvez nos tenhamos ferido – sem intenção, mas com impacto. A confiança ruiu em silêncio, como um edifício antigo que já não aguentava mais o peso do tempo e da mágoa. E o que restou foi apenas distância.
Sim, existiu um tempo de partilha. Mas esse tempo virou pesadelo. Acabou. E não ficou apenas um vazio: ficou a consciência de que certos caminhos, quando se tornam nocivos, devem ser abandonados. Rezo, e ao chegar àquela frase – “livrai-nos do mal” – peço sobretudo para ser livre da amargura, do julgamento fácil, da tentação de reduzir uma pessoa à sua pior versão. Dizer que alguém foi má, cruel, injusta… não me serve. Já foi chão que deu uva. E sobre esse chão, hoje, planto outra coisa.
Porque o Alexandre… ele seguiu caminho.
Encontrou, numa nova instituição, um território fértil onde voltou a crescer com leveza. Um espaço onde a sua singularidade foi reconhecida, onde a sua essência foi respeitada, onde pôde recomeçar – sem pesos nem feridas. A instituição que o acolheu é viva, harmoniosa, acolhedora, ética e profundamente humana. Ali, o Alexandre encontrou estabilidade, escuta, afeto e estrutura. E mais do que tudo: encontrou alguém.
Encontrou nela – naquela educadora de gestos serenos e coração atento – a presença transformadora que marca uma vida. Uma profissional exemplar, sim. Mas mais do que isso: uma mulher dotada de uma sensibilidade rara, de uma empatia profunda, de uma firmeza doce. Alguém que olhou para ele com verdade, que lhe falou com respeito, que acreditou quando ele próprio hesitava.
Foi ela que lhe devolveu o riso. Que o fez sonhar de novo. Que lhe devolveu a confiança no mundo adulto. E essa dádiva é imensurável.
Sim, agora existe um paraíso.
Um lugar onde o Alexandre reencontrou o que lhe foi, um dia, retirado: segurança, afeto, compreensão, dignidade. Mas encontrou mais do que isso. Encontrou melhor. Encontrou o autêntico.
Encontrou pessoas que o viram com olhos de verdade. Que o escutaram com alma. Que lhe devolveram não apenas a alegria, mas a confiança de que é possível ser acolhido por inteiro, com os seus medos e as suas maravilhas.
E por isso, com o ano a terminar, o Alexandre já pediu para voltar. Para visitar aquelas pessoas que, no seu coração, ficarão gravadas como únicas. Porque, com o tempo, são elas que ele irá recordar – não por obrigação, mas por gratidão. Não como parte de um percurso forçado, mas como o lugar onde verdadeiramente começou a florescer.
Porque há memórias que duram para sempre. E algumas, felizmente, têm raízes no amor.
Nota Final
Escrevo este texto porque estou grata. Grata por ter tido força para reconhecer o fim de um tempo que já não me fazia bem, e por ter acolhido com o coração aberto um novo começo — para mim, mas sobretudo para o Alexandre.
Escrevo porque estou feliz. Feliz por vê-lo florescer num lugar onde é respeitado, compreendido e estimado. Feliz por saber que, apesar do que se perdeu, ele encontrou melhor. Encontrou o autêntico.
Esta não é uma carta de mágoa, nem de julgamento. É uma carta de reconhecimento. De honra. De amor. É um abraço escrito às pessoas e às instituições que fazem a diferença com pequenos gestos cheios de verdade.
O Alexandre reencontrou o riso. Reencontrou a confiança. E isso, para mim, vale tudo. Ver nos seus olhos a paz que antes lhe faltava é um milagre quotidiano. E por isso escrevo. Para agradecer. Para eternizar. Para que fique claro que há pessoas que marcam vidas — para sempre, e para o bem.
Com o ano a terminar, escrevo não por nostalgia, mas por alegria. E com a certeza tranquila de que as memórias que importam são as que nascem do amor. Não estou ausente por mágoa, rancor. A vida assim impôs. Não tenho problema nenhum com a ausência de ninguém, tenho paz e tranquilidade. Sou católica, prático o perdão e amor.