Entre a dor que se sente e a que se ouve
Há dias em que o corpo fala mais alto do que o coração consegue sussurrar. Dias em que, entre a frustração acumulada e uma dor teimosa — como aquela que se instala nos pés e não nos larga —, tudo se torna mais pesado, mais tenso, mais difícil de traduzir em palavras suaves.
Sou, por natureza, frontal. Digo logo o que penso, o que sinto. E por vezes, nesse impulso sincero de exteriorizar o desconforto que me vai por dentro, a minha voz pode ganhar um tom mais áspero, mais urgente, quase como um grito mudo de quem precisa que o mundo pare um instante para respirar. Mas o tom — esse tom — não é contra ninguém. É apenas o eco da minha luta interior. O meu desconforto não é com quem está ao meu lado, mas com o que me corrói por dentro… e por baixo: a frustração de não controlar tudo e, naquele momento, o simples facto de os meus pés doerem como se carregassem o peso de todas as exigências do dia.
É difícil quando, além da dor, carregamos também o estigma. Quando a forma como dizemos algo pesa mais do que a intenção com que o dizemos. Sinto isso muitas vezes. Como se não houvesse espaço para o erro, para o cansaço, para a dor — como se uma mulher tivesse de ser sempre equilibrada, sempre meiga, sempre impecavelmente compreensível. E a verdade é que não sou sempre assim. Sou humana. Tenho dias. Tenho dores.
Mas não fujo à responsabilidade. Quando percebo que o meu tom foi mal entendido, explico-me. Faço um esforço, mesmo que comunicar, para mim, seja como caminhar sobre pedras — nem sempre é fácil, nem sempre é suave. Mas faço-o. Porque a minha consciência tranquila vale mais do que o orgulho de ter sempre razão. Não me custa pedir desculpa, mesmo sabendo que o ideal seria nunca ter de o fazer. Mas a vida real é imperfeita. E eu também sou.
O importante, para mim, é seguir com o coração em paz. Com a certeza de que não falo para ferir, mas para libertar. Que o meu tom, por mais duro que pareça às vezes, é apenas a superfície de algo mais profundo — de uma dor, de uma frustração, de um cansaço que não se vê.
E quem me conhece de verdade… saberá escutar-me para além do som.