A Missa Começa em Ti
Chegámos nus, é verdade. E nus partiremos. Entre esses dois silêncios — o do início e o do fim — desenrola-se o mistério da vida. Um sopro, uma travessia, uma sucessão de dias que parecem eternos e, ao mesmo tempo, se desfazem como areia entre os dedos. Tudo o que acumulamos, tudo o que julgamos possuir, tudo o que defendemos com unhas e dentes, será um dia apenas pó, ou nem isso — lembrança efémera na mente de quem continua, por pouco tempo, a caminhar após nós.
Então porquê tanto ódio, tanta inveja? Porquê a sede insaciável de poder, de vaidade, de ostentação? Por que razão nos esquecemos tão frequentemente da nossa pequenez essencial, da fragilidade intrínseca à condição humana?
A verdade é simples, mas não simplista: estamos doentes de ego. Vivemos aprisionados numa cultura que idolatra o invólucro e despreza o conteúdo. Uma sociedade onde a estética venceu a ética, onde o parecer se sobrepôs ao ser. O que veste, o que mostra, o que exibe, é mais importante do que o que sente, o que pensa, o que é. Os funerais tornaram-se eventos sociais, os casamentos, espectáculos de vaidade, e a espiritualidade, um formalismo vago e repetitivo, sem alma. Mas tudo isso não passa de um ruído que encobre o essencial.
A missa não começa quando o sino toca ou quando o sacerdote entra em cena. A missa verdadeira começa no silêncio interior de quem se dispõe a amar. Começa no gesto que se recusa a julgar, na palavra que escolhe a ternura, no pensamento que renuncia ao ressentimento. Começa no momento em que a mulher, o homem, a alma peregrina, decide sair de casa não por obrigação, mas por busca. Por sede de sentido. Por desejo de encontro.
Porque a fé, essa que move montanhas, não nasce da rotina, mas da consciência. E quem se prepara por dentro — com humildade, com verdade, com entrega — não assiste à missa: vive-a. A missa, afinal, é apenas o reflexo ritual de uma liturgia maior — a da vida. É aí que tudo se consuma. No modo como escutamos o outro, no tempo que oferecemos sem esperar retorno, na compaixão que cultivamos como quem cuida de um jardim secreto.
Sê boa. Não no sentido pueril ou passivo da bondade, mas na firmeza nobre de quem escolhe a justiça mesmo quando custa, de quem escolhe a luz mesmo no meio da sombra. Sê justa, mesmo quando o mundo te empurrar para o cinismo. Sê inteira, mesmo quando te quiserem em pedaços.
Lembra-te: o tempo é finito. E no fim, o que permanecerá não será o que tiveste, mas o que foste. Não desperdice o teu precioso tempo com banalidades — com competições mesquinhas, com opiniões tóxicas, com comparações vãs. Usa-o para crescer, para servir, para amar. A memória que deixares será o espelho da tua alma.
E sim, que cada passo teu, mesmo fora dos muros da igreja, seja missa. Que cada silêncio teu seja oração. Que cada gesto teu seja altar.
Porque, no fim, quando o corpo repousar e a alma for chamada, não se perguntará o que vestias, mas quem amaste. Não se indagará o que sabias, mas o que partilhaste. Não se pesará o que possuías, mas o que ofereceste.
Essa é a liturgia que verdadeiramente importa. E essa, sim, começa agora. Dentro de ti.