Por Que Existem Santos? A Santidade como Resposta ao Infinito
Muitos, com genuína perplexidade ou serena curiosidade, interrogam-se sobre a existência dos santos. Num tempo em que o espírito moderno é moldado pela desconfiança, pela dúvida metódica e pela sedução do imediato, a figura do santo parece, à primeira vista, deslocada, quase anacrónica. Contudo, a presença dos santos não é um resquício devocional do passado, mas sim um sinal ardente de eternidade inscrito na história. Eles existem porque Deus, sendo Infinito, escolheu manifestar-se no finito; porque o Verbo se fez carne — e continua a fazer-se carne, através de homens e mulheres que deixaram a Graça tocar e transfigurar as suas existências frágeis.
Jesus Cristo, na radicalidade das Suas palavras, não propõe uma moral de compromisso, mas um horizonte de plenitude: “Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Não porque se espere de nós uma impecabilidade sobre-humana, mas porque somos chamados a caminhar — com esforço, dor e esperança — rumo a uma perfeição de amor. A santidade não é um prémio de elite, mas a vocação universal de todos os baptizados. É o coração do Evangelho: viver plenamente unidos a Cristo, até que seja Ele a viver em nós.
Neste sentido, os santos não são figuras de gesso nem arquetipos idealizados, mas pecadores redimidos, irmãos nossos que, em meio a quedas, fraquezas e sofrimentos, disseram “sim” à Graça. Cada um deles é uma parábola viva da Misericórdia. São, como afirmou Bento XVI, “as verdadeiras estrelas de Deus no firmamento da história”.
Exemplos Vivos de Redenção
Santa Rita de Cássia, esposa maltratada e mãe em sofrimento, oferece ao mundo um testemunho pungente da fidelidade no silêncio e do poder do perdão. Santa Teresa de Ávila, reformadora do Carmelo e mística de fogo, une a mais alta contemplação a uma acção lúcida e determinada. Santo Afonso Maria de Ligório, jurista e teólogo, abandona a glória mundana por um caminho de humildade, tornando-se pai espiritual dos pobres e dos pecadores. Santo Agostinho, cuja alma inquieta vagueava entre prazeres e doutrinas, encontra a paz definitiva na graça de Cristo, tornando-se um dos maiores pensadores da humanidade.
Santa Teresa Benedita da Cruz — Edith Stein — filósofa e mártir, une razão e fé numa síntese sublime, morrendo em Auschwitz como testemunha da cruz redentora. São Francisco de Assis, pobre entre os pobres, canta com júbilo à criação e à cruz, vivendo o Evangelho com literal radicalidade. Santa Teresa de Lisieux, doutora da Igreja, revela que a santidade se pode viver nas pequenas coisas, com um amor sem reservas.
Cada um deles é uma resposta concreta à pergunta: “É possível viver o Evangelho hoje?” Sim, é possível — e os santos provam-no com a sua carne, com a sua entrega, com o seu sangue.
A Comunhão dos Santos e a Intercessão na Luz de Cristo
A Igreja professa, com solenidade e ternura, a fé na “comunhão dos santos”. Esta não é uma ideia piedosa, mas uma verdade essencial do mistério cristão: todos os membros do Corpo de Cristo, estejam onde estiverem — na Terra, no Céu ou no Purgatório — estão unidos por um laço invisível mas real, feito de caridade, oração e Graça.
Os santos intercedem por nós não como deuses menores, mas como irmãos glorificados, que participam plenamente da mediação única de Cristo. A sua oração é uma extensão da oração de Cristo. O seu amor por nós é já um reflexo puro do amor divino. Pedir a intercessão de um santo não é desviar a atenção de Deus, mas confiar-nos a quem O contempla face a face, e pode apresentar-Lhe os nossos pedidos com humildade purificada e ardor incandescente.
A história está cheia de milagres, curas, conversões e consolações operadas através da oração aos santos. Mas, mais do que intervenientes miraculosos, os santos são para nós mestres espirituais, modelos de vida, rostos de esperança. Eles inspiram-nos, desafiam-nos, empurram-nos suavemente para cima. São a memória viva de que a santidade não é uma utopia, mas uma possibilidade concreta, sempre oferecida.
Rostos Diversos, Uma Só Luz
O número de santos canonizados é apenas uma parcela da imensidão de vidas santas que a Igreja reconhece de forma silenciosa e universal. Entre os nomes gloriosos que a memória eclesial conserva, estão São Luís Maria Grignion de Montfort, apóstolo da consagração total a Maria; São João Paulo II, gigante do século XX, cuja vida foi um hino à dignidade humana; São Charles de Foucauld, eremita no deserto, que se fez irmão de todos no anonimato abrasador do silêncio.
Lembramos ainda Santa Hildegarda de Bingen, que uniu ciência, mística e música como expressões da criação divina; São Camilo de Léllis, renovador da assistência hospitalar; São Bento de Núrsia, cuja Regra salvou a civilização ocidental; Santa Catarina de Sena, conselheira de papas e doutora da Igreja; São Damião de Molokai, mártir entre os leprosos; Santa Maria Goretti, mártir da pureza; Beato Carlo Acutis, jovem apóstolo da Eucaristia no tempo digital.
Eles são tantos, tão diferentes, tão ricos em humanidade. Mas em todos brilha a mesma luz — Cristo, o Sol da Justiça. Em todos, o mesmo fogo — o Espírito Santo. Em todos, a mesma sede — fazer da própria vida um dom total.
Conclusão: Santidade, Caminho de Todos
Por que existem santos? Porque Deus não desistiu da humanidade. Porque o Céu não é apenas uma promessa longínqua, mas uma realidade já em gestação na carne de quem ama. Porque a santidade não é privilégio, mas vocação. Os santos mostram-nos que a vida pode ser bela, fecunda, luminosa — mesmo atravessada pela dor. Que é possível amar até ao fim. Que a última palavra não é da morte, mas da ressurreição.
Eles não estão ausentes. Acompanham-nos. E cada um deles nos diz, com a sua vida e com a sua glória:
"Tu também és chamado. Tu também podes ser santo."