A Subtil Arte de Amar (e Defecar) no Duche: Correspondência com uma Leitora Surpreendente
Recebo, de tempos a tempos, mensagens no e-mail do blog. Algumas são dúvidas filosóficas; outras, desabafos que transbordam as fronteiras do íntimo para se tornarem quase literatura involuntária. A maior parte são perfeitamente razoáveis — pessoas a tentarem perceber a vida, o amor, o sentido de si mesmas. Mas de quando em quando… aparece uma joia.
Desta feita, recebi uma mensagem que me fez pousar o café, engolir em seco e repensar seriamente a história da humanidade desde a invenção da canalização até ao conceito moderno de relacionamento. O e-mail abria com uma simplicidade desarmante:
“Olá, sou a F., tenho 22 anos e namoro com uma rapariga de 19. Ontem saímos, ficámos muito bêbedas, fomos tomar duche… e ela fez cocó no duche.”
...
Sim, eu também precisei reler.
Ela fez cocó no duche.
Mas o e-mail não se ficava por aqui. E como quem narra uma fábula urbana de horror afectivo, a leitora prosseguia:
“Eu olhei para o fundo do polibã e vi uma bola castanha. Fiquei sem reacção, perguntei o que era aquilo. Ela, tranquila como quem partilha um segredo de infância, disse: ‘Estou à vontade contigo’. E com a ponta do dedo grande do pé… empurrou a bola para o ralo.”
...
Neste momento da leitura, fui invadida por sentimentos complexos: náusea, perplexidade, uma leve comichão metafísica, e acima de tudo, uma profunda gratidão por estar sozinha em casa — ninguém me viu ficar com os olhos arregalados enquanto repensava os limites da partilha e os abismos do amor contemporâneo.
A história continuava:
“Dormimos juntas. No dia seguinte, tentei abordar o assunto com a maior diplomacia possível. Disse: ‘Da próxima vez… aponta para a sanita.’ E ela, sem pestanejar, respondeu: ‘Gosto de fazer cocó no duche. Sinto-me à vontade contigo.’”
…e depois perguntou-me se estava errada em terminar a relação.
Minha querida leitora: antes de mais, pedi — como pedirei sempre nestas circunstâncias — a tua autorização para partilhar esta troca, por dois motivos. O primeiro: a humanidade precisa de conhecer esta história. O segundo: o meu blog vive entre a fronteira do real e da ficção, mas nunca recuso matéria-prima tão visceralmente potente (literal e figurativamente).
E respondendo à tua pergunta com a seriedade que merece: não, não estás errada em terminar o relacionamento. Estás sóbria. Estás lúcida. Estás civilizada.
Porque, apesar do que nos tentam vender nas redes sociais e nos livros de autoajuda com flores em aquarela na capa, o amor não é aceitar tudo. O amor não é um campo de treino para a resistência intestinal. O amor não é uma prova olímpica de tolerância aos maus hábitos de higiene do outro. O amor tem, obrigatoriamente, de incluir encanamento emocional e canalização literal.
Não quero parecer excessiva, mas… fazer cocó no duche e empurrar com o dedo do pé para o ralo está um ou dois degraus abaixo de pintar com fezes nas paredes — e um ou dois acima de “foi sem querer”. Está algures no purgatório das práticas íntimas que desafiam os códigos da convivência moderna. E o pior: ela não só o fez, como defendeu. Com orgulho. Como quem partilha um talento secreto. Uma vocação.
Agora, talvez alguns leitores — mais dados à espiritualidade alternativa — pensem: “Mas isso é só um corpo a funcionar, é natural, é libertação!”
Ao que respondo: claro. Também o é urinar. Mas não o fazemos em cima da torrada do parceiro enquanto dizemos “sinto-me à vontade contigo”. Há, ou devia haver, um pacto social implícito que separa o animal do civilizado, o instinto do respeito mútuo. O mesmo contrato que nos impede de cagar no duche enquanto alguém nos ensaboa a alma.
E, já agora, aproveito este momento para deixar claro: este blog, embora por vezes se aventure por temas técnicos, filosóficos, religiosos, ou até levemente sentimentais, não é um consultório, não é um confessionário e não é um call center do INEM emocional. Mas talvez — e só talvez — possa servir como ponto de encontro para aqueles que, perdidos entre o romance e o trauma digestivo, procuram apenas uma bússola que aponte na direção oposta ao ralo.
Termino com três notas, em jeito de resumo:
Tens todo o direito de não querer partilhar o duche com matéria fecal, mesmo que ela venha com afecto e sorriso.
Intimidade não é sinónimo de invasão sanitária.
E por favor, se alguém mais quiser partilhar histórias como esta — dignas de um teatro trágico-higiênico — peço encarecidamente que me escrevam. Mas que me avisem primeiro. E que me autorizem a partilhar. O mundo precisa de rir e refletir. E eu preciso de processar o que acabei de ler.
Com respeito, fascínio antropológico e uma toalha de banho que nunca mais verá o chão,
TeceHistorias