Hoje...
Vivemos tempos em que a dor se tornou silenciosa, disfarçada de indiferença, agressividade ou pressa. É fácil – demasiado fácil – apontar o dedo, julgar, classificar. E, no entanto, quantas vezes paramos para olhar verdadeiramente? Não com os olhos apressados da razão, mas com a alma atenta da compaixão?
Quando a vida nos fere, o primeiro impulso é defender-nos. Criamos couraças, erguemos muros, respondemos com a mesma moeda. Mas essa reação, tão humana, também é o reflexo de uma visão ainda estreita: a de que a dor é sempre pessoal, direcionada, deliberada. E se não for? E se a dor que nos atinge for apenas o eco de uma ferida antiga que não é nossa, mas que passou por nós como um vento agreste?
Por trás de cada gesto duro há, muitas vezes, uma história que ninguém escutou. Uma criança que cresceu sem colo, um adolescente que aprendeu a calar porque chorar era fraqueza, um adulto que sobreviveu a perdas sem nunca ter aprendido a digeri-las. Quando alguém nos fere, talvez não o faça por maldade, mas por ausência. Ausência de referências, de afecto, de linguagem emocional. Talvez tenha sido ensinado que sentir é perigoso, que amar é um risco, que a vulnerabilidade é um defeito a esconder.
E isto não justifica. Nunca se trata de justificar. Trata-se de compreender. Porque a compreensão não absolve, mas humaniza. E quando conseguimos ver para além da superfície, percebemos que há tanto de nós nos outros. As cicatrizes que os outros carregam não são muito diferentes das nossas – apenas foram moldadas por circunstâncias distintas.
A empatia é, nesse sentido, um acto de coragem radical. Exige que abandonemos o conforto das nossas certezas, que nos despamos da superioridade moral e nos coloquemos no terreno da humanidade partilhada. É ver com o coração. É reconhecer que todos, sem excepção, estamos feridos em alguma medida – e que ferimos, muitas vezes, não por maldade, mas por desespero.
Há quem confunda empatia com passividade, como se amar o outro na sua imperfeição fosse negar a própria dor. Pelo contrário: a empatia alarga o campo da dor para incluir também a do outro, e nesse alargamento, paradoxalmente, encontra-se alívio. Porque deixa de ser uma dor solitária e passa a ser uma dor compreendida.
Somos todos obras inacabadas. Fragmentos de histórias, pedaços de perdas, sonhos adiados. E talvez, só talvez, se começarmos a ver os outros com os olhos da alma – olhos que sabem da dor porque já a viveram – possamos começar uma revolução silenciosa. A revolução da ternura, da escuta, do gesto inesperado que não responde com rancor, mas com consciência. Que não perpetua o ciclo da violência emocional, mas planta, no meio do caos, uma semente de paz.
O mundo é, sim, um espelho. E aquilo que nele escolhemos ver diz mais de nós do que do mundo. Se queremos mais luz, sejamos luz. Se queremos mais humanidade, sejamos humanas. Se queremos mais amor, aprendamos a amar até quando dói – porque, às vezes, é aí que o amor se revela mais verdadeiro.
Que tenhas um dia pleno de lucidez, força e compaixão. Que Deus – ou o nome que escolheres dar ao mistério – habite em ti como uma presença serena, orientadora. E que, nas tuas palavras, nos teus silêncios e nas tuas escolhas, continues a ser espelho da cura que o mundo tanto precisa.
Eu sei o que escrevi. Sei as dores que vivi, os silêncios que engoli, as cicatrizes que trago sob a pele e as que ninguém vê — aquelas que marcaram a alma. E mesmo sabendo tudo isso, mesmo sentindo o peso do que fui e do que me faltou, escolho. Escolho amar. Escolho perdoar. Escolho escutar. Não como quem esquece, mas como quem compreende. Porque a verdadeira cura não nasce do esquecimento, mas da lucidez com que escolhemos a paz, dia após dia, mesmo com as mãos trémulas.
Fui fazer o Crisma. Receber os sete dons do Espírito Santo não foi um evento social. Foi um pacto secreto entre mim e Deus. Não mudou tudo à minha volta — mas transformou silenciosamente o meu dentro. Porque nada se transforma verdadeiramente fora enquanto não se move dentro. Eu é que luto para mudar. Com Deus. Com Jesus Cristo vivo em meu coração. Com o Espírito Santo como luz a guiar os passos quando as sombras tentam tomar conta do caminho.
A partir desse momento, a minha luta já não é apenas minha. Carrego comigo a força divina que me sustenta e me molda. Cada dom recebido é agora semente e missão, presença e desafio.
Sabedoria é o que me leva a olhar para o mundo com os olhos da alma, a discernir o que realmente importa, a reconhecer que tudo o que vale a pena está enraizado no amor.
Entendimento permite-me ver para além do gesto rude, perceber a dor por detrás da indiferença, escutar o grito que se esconde por detrás do silêncio de quem nunca foi amado.
Conselho dá-me serenidade para decidir com o coração e não com o ego. Para saber quando falar e quando calar. Para orientar e também ser orientada.
Fortaleza é o que me mantém firme nas madrugadas da alma, quando o chão estremece e o mundo parece indiferente à bondade. É a coragem de continuar a amar quando seria mais fácil desistir.
Ciência mostra-me a presença de Deus nas pequenas coisas, na beleza da criação, no olhar dos outros, no milagre escondido em cada instante.
Piedade alimenta a minha oração, enlaça-me ao sagrado, ensina-me a viver com ternura espiritual, com humildade e entrega.
Temor de Deus não me faz temer, faz-me reverenciar. É o reconhecimento de que a minha vida tem origem e destino em Deus, e por isso, deve ser vivida com integridade, com respeito pelo divino que há em mim e nos outros.
Esses dons não me fazem melhor que ninguém. Fazem-me mais consciente de tudo. Mais sensível ao que é invisível. Mais firme na fé. E, sobretudo, mais disponível para servir, amar, escutar e curar.
Porque eu já compreendi: quando alguém nos fere, raramente é sobre nós — é sobre o que faltou nessa pessoa, o que nunca lhe foi dado, o que lhe foi negado desde cedo. Quando mudamos o olhar, deixamos de ver inimigos e passamos a ver humanos: frágeis, incompletos, cansados. Tão humanos quanto nós.
A empatia não apaga a nossa dor, mas transforma-a. Dilata o coração. Ensina-nos a amar sem esperar retorno, a estender a mão mesmo quando fomos deixadas sozinhas. A devolver ao mundo o oposto do que nos feriu — e isso é sagrado.
Porque perdoar não é esquecer o que nos fizeram. É lembrar, sim, mas sem carregar ódio. É compreender que carregar rancor é continuar a ser ferida. Perdoar é libertar-se. É abrir espaço para Deus fazer morada. É amar com consciência. É acolher com lucidez. E é nesta liberdade que me encontro: em amar para além das minhas feridas, em escolher ser luz mesmo depois de ter conhecido as trevas.
O mundo é um espelho. Se queremos mais bondade, que sejamos bondade. Se queremos mais amor, que sejamos amor. Se queremos mais paz, que sejamos a calma que apazigua.
E se tudo à nossa volta continuar igual, que sejamos nós a diferença.
Porque com Deus no coração, nada é impossível. Com Jesus Cristo como guia, nenhum abismo é definitivo. Com o Espírito Santo a soprar dentro de mim, nenhuma dor será em vão.
Hoje, sou mulher em Crisma. Alma em flor. Corpo com marcas, mas coração com asas. E a minha missão não é ser perfeita — é ser verdadeira. Amar, mesmo ferida. Perdoar, mesmo sem desculpas. E viver cada dia como quem carrega o céu por dentro.
Pensa nisto… e se puderes, sê também esse gesto de cura que o mundo tanto precisa. Um dia muito feliz, sempre com Deus no coração.