Silêncio, Caminho e Perdão: Lições de uma Peregrina
Parti no dia 8, com o silêncio no bolso e a alma carregada de perguntas. Cheguei ao destino no dia 12 e regressei a casa na madrugada do dia 13 – com os pés feridos, o coração pleno e uma bagagem invisível feita de fé, amizade e revelações. Decidi não publicar nada durante a caminhada. Não por desinteresse, mas por uma escolha consciente: queria que o caminho fosse meu, inteiro, sem filtros nem ruído. Usei o telemóvel apenas para o essencial – falar com os meus filhos, com o meu marido, e partilhar algumas imagens no Facebook, marcos singelos de passagem e testemunhos da jornada.
Durante a peregrinação, o corpo cansava, mas era a alma que despertava. Rezei, calei-me, pensei, escutei. Fiz amizades que não nasceram do acaso, mas foram forjadas como o ferro sob o fogo: no suor, no sangue e nas lágrimas. Entre uma subida difícil e uma descida traiçoeira, numa conversa com uma jovem que me lembrava a minha filha, disse algo que me saiu tão naturalmente como respirar:
“Sabes, ninguém fala mal do fraco, ninguém persegue o incapaz, ninguém se incomoda com quem não dá frutos. Se o teu potencial não chamasse a atenção, ninguém se levantaria contra ti.”
Foi nesse instante que compreendi uma verdade profunda que tantas vezes ignoramos: a luz atrai tanto quanto incomoda. A excelência perturba os acomodados. E a força, sobretudo a força interior, desperta resistências nos que vivem encurvados pelo medo ou pela mediocridade.
Disse-lhe também que perdoar não é esquecer. Não é reatar laços, nem forçar convivências. O perdão verdadeiro é mais nobre, mais exigente e mais lúcido. É um acto consciente de libertação. Perdoar é olhar para trás sem acorrentar-se. É recordar os factos com a serenidade da razão, sem permitir que a ferida ainda sangrante do passado dite o compasso dos nossos passos.
Perdoar é, acima de tudo, memória filtrada pela sabedoria. Não é ingenuidade – é maturidade. É saber que a mágoa, se alimentada, se torna veneno; mas que, se superada, se transforma em lição. Uma lição que não nos encurta, mas nos alarga. Que não nos endurece, mas nos fortalece.
Esta peregrinação ensinou-me que o caminho exterior é um espelho do caminho interior. Que cada passo adiante é, também, uma escolha de soltar: mágoas, expectativas, pesos desnecessários. E que algumas feridas, embora invisíveis, curam-se com o vento da manhã, com a escuta do silêncio e com a partilha sincera entre duas mulheres em trânsito – entre gerações, dores e esperanças.
Hoje, ao regressar, não trago apenas lembranças. Trago um novo olhar. Um olhar que não esquece o que foi vivido, mas que sabe que há força em quem continua, mesmo ferida. E há nobreza em quem perdoa, mesmo sem ter sido pedida desculpa.
Porque o perdão – o verdadeiro perdão – não é um presente para o outro. É uma libertação que damos a nós mesmas. É a coragem de seguir leve… mesmo quando o mundo insiste em lembrar-nos o peso.