Entre o tempo e a essência
Acordo antes mesmo do sol surgir, e num piscar de olhos, o ritmo da casa já se impõe. Arrumo as coisas, coloco cada detalhe em seu lugar, e, enquanto tudo parece em ordem, preparo-me para o dia. É como se eu fosse um eterno pêndulo, em constante movimento, balançando entre os compromissos e o desejo de um instante a sós. Sigo adiante, consciente da lista de tarefas, mas a saudade de um pouco de tempo para mim mesma, para ler e refletir, acompanha-me. Leio, sim, mas as palavras que tanto amo, aquelas que me acalmam e me transportam, têm-se tornado breves pausas numa agenda que não cede.
Hoje, enquanto descanso um pouco, escrevo essas linhas antes de um banho apressado, antes de trocar de roupa e assumir mais uma responsabilidade, mais uma missão que, sei, faz a diferença para alguém. Tenho voluntariado logo à tarde. Abrirei a loja com aquela mesma dedicação que dou a cada detalhe da vida. Encerrarei o dia ali, mas amanhã cedo, antes que o dia realmente comece para os outros, já estarei de volta. No sábado, trabalho à tarde, e à noite, a Eucaristia espera-me. E no domingo, a catequese. É a entrega ao que acredito, o compromisso com a fé, o consolo que me faz caminhar quando o corpo pede pausa.
A família é minha prioridade, e nela encontro a essência de tudo o que sou. No entanto, o tempo escorre como areia fina, e às vezes, vejo os rostos dos meus amigos sumirem um pouco mais, como se o relógio os afastasse mais do que eu desejaria. Sinto que até eles começam a notar a minha ausência, a falta daquela presença que era constante. Sei que compreendem, mas no fundo, a saudade dos laços também se faz presente.
E então, nas poucas horas que são só minhas, procuro abarcar um mundo inteiro, mergulhando num universo de pequenos prazeres. Leio e-mails que me arrancam risos, respondo com o entusiasmo de quem não quer deixar a amizade esmorecer. Mergulho nas páginas de bons livros, naquelas histórias que me fazem esquecer o tempo. Pinto, toco, desenho, escrevo, como se cada ato fosse uma oração, uma forma de expressar a beleza e a intensidade que ainda tenho dentro de mim.
É uma vida que corre, uma vida que exige, mas onde também há recantos onde eu sou apenas eu, inteira. Ali, naquela solidão bem-vinda, sou capaz de criar, de explorar e de encontrar uma paz momentânea que, no fundo, revigora-me para o próximo dia.