Ciclos Inevitáveis

 É difícil, sim, pensar no fim. Talvez porque o fim traz consigo a noção de perda, de algo que se esvai e que, por mais que tentemos, não conseguimos reter entre os dedos. A ideia de encerramento, de algo que se fecha com um som seco, definitivo, causa uma inquietude profunda. Mas, por mais que queiramos prolongar o tempo ou eternizar momentos, a vida segue o seu curso inexorável. Ela é composta de inícios e finais, de chegadas e despedidas, e, por mais que isso possa parecer doloroso ou injusto, é também a base da sua própria beleza. Afinal, as histórias bonitas também precisam terminar.

Sempre acreditei, por um tempo, na ilusão de que algumas pessoas permaneceriam na minha vida para sempre. Elegi amigos como quem escolhe companheiros de viagem, certos de que partilharíamos os mesmos trilhos por toda a eternidade. Havia algo de puro e inquebrável nessa escolha, uma crença quase infantil de que certas conexões são imutáveis. Contudo, a realidade impõe-se, como sempre faz, e aqueles que um dia chamei de amigos eternos hoje não passam de sombras difusas na minha memória, "conhecidos" que pertencem a uma outra era, uma época fechada com uma chave que já não existe. De algum modo, tornaram-se irreais, pessoas de um tempo que já não me pertence, uma história que não consigo reescrever, por mais que às vezes a nostalgia insista em tentar.

Talvez a passagem do tempo seja cruel, ou talvez seja apenas inevitável. A verdade é que os tempos nascem e morrem com a mesma naturalidade com que respiramos. Não percebemos quando um capítulo se fecha, quando uma pessoa deixa de ser essencial para se transformar em uma mera lembrança. As amizades que pensei eternas, os amores que julguei perpétuos, hoje são fantasmas distantes, seres que seguem os seus próprios caminhos, completamente alheios ao que um dia sonhei para nós. A vida, com a sua imparcialidade implacável, vai separando pessoas, como se estivesse a rasgar folhas de um livro que já não interessa mais.

E, no entanto, há uma beleza inerente nesse ciclo de nascimento e morte. Não me refiro à morte física, mas à morte de fases, de tempos, de momentos. A vida é feita de transformações constantes, e, muitas vezes, o fim de uma história é apenas o prelúdio para o início de outra. Quando penso nos amores que imaginei que estariam aqui, ao meu lado na velhice, sinto uma pontada de tristeza, é verdade. Não sei por onde andam, não faço ideia do que se tornaram. Apenas sei que estão distantes, vivendo as suas vidas como eu vivo a minha. Talvez essa seja uma das lições mais duras da vida: a percepção de que não temos o poder de reter o que amamos, de congelar os momentos mais felizes.

E ainda assim, essa mesma dor carrega uma sabedoria profunda. A vida ensina-nos, de uma forma brutal e poética, que nada é estático. Tudo flui, tudo se altera. Pessoas vêm e vão, cumprem o seu papel nas nossas vidas e seguem o seu próprio caminho, muitas vezes sem olhar para trás. E, por mais que isso possa parecer injusto, é necessário. Faz parte do processo de crescimento, de aceitação. Cada pessoa que passou pela minha vida trouxe consigo uma lição, uma experiência que me moldou, que me transformou. Não posso esperar que fiquem para sempre, pois isso seria travar o fluxo natural da vida. E eu, no fundo, sei disso. Sei que o tempo é um rio imparável e que tentar conter as suas águas seria em vão.

Há uma certa melancolia nessa compreensão, mas também uma aceitação serena. Não podemos lutar contra o fim, não podemos travar batalhas perdidas contra o inevitável. O que podemos, isso sim, é viver o presente de forma plena, aproveitar o hoje para criar memórias que resistam ao tempo, que possam ser lembradas com carinho quando o ciclo terminar. Não há como escapar ao encerramento das histórias, mas há algo que podemos fazer: torná-las significativas enquanto ainda estamos a escrevê-las.

E aqui reside a essência do meu entendimento: quando as histórias terminam, resta apenas um único leitor. Nós. Somos os únicos capazes de ler as nossas vidas com profundidade, de interpretar as nuances dos capítulos que vivemos. Podemos partilhar momentos com os outros, mas, no final, somos os únicos a carregar a totalidade da nossa experiência. E isso, por mais solitário que pareça, é também incrivelmente poderoso. Porque, no fundo, a vida é um livro que escrevemos e lemos ao mesmo tempo, e cada despedida, cada final, é uma página virada, uma nova oportunidade para começar algo diferente.

Por vezes, olho para trás e sinto a ausência de tantas pessoas que fizeram parte da minha jornada. Algumas foram-se sem aviso, outras de forma abrupta, como quem se despede para nunca mais voltar. E há ainda aquelas que se foram apagando aos poucos, até se tornarem invisíveis, espectros de um passado que já não consigo tocar. Mas, por mais que isso me cause uma certa tristeza, aprendi a aceitar. Cada pessoa que passou pela minha vida cumpriu o seu papel. Elas chegaram no momento certo e partiram quando a sua missão terminou. Não há rancor, nem mágoa. Apenas uma profunda gratidão pelos instantes partilhados.

No entanto, não posso negar que há dias em que a nostalgia me invade, quando sinto a ausência de certas pessoas com uma intensidade que quase dói. Nessas horas, pergunto-me o que teria acontecido se tivéssemos permanecido juntas, se os laços não tivessem se desfeito. Mas logo me lembro que não é assim que a vida funciona. Ela não é um conto de fadas onde todos vivem felizes para sempre. A realidade é muito mais complexa e, de certa forma, mais interessante. O fim é parte integrante da jornada, e sem ele, talvez não déssemos tanto valor aos momentos que vivemos.

A vida é um ciclo de construção e destruição, de nascimento e morte, de encontros e despedidas. E é esse ciclo que dá sentido a tudo. Quando uma fase termina, outra começa. Quando alguém se vai, outro chega. E assim, seguimos em frente, construindo a nossa história, sabendo que, no final, seremos os únicos a poder compreendê-la na sua totalidade. Por mais que o fim possa parecer assustador, ele é, na verdade, uma oportunidade para renascer, para começar de novo.

Não sei onde estarei daqui a alguns anos, nem com quem estarei. Não sei quais histórias ainda me restam para viver, quais pessoas ainda cruzarão o meu caminho. Mas o que sei, com toda a certeza, é que cada momento tem o seu valor, e que, quando o fim chegar, estarei pronta para virar a página, com a serenidade de quem compreendeu que a vida, em toda a sua imprevisibilidade, é sempre digna de ser vivida, até o último ponto final.








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