Caminhar

 Caminhar por uma causa sempre teve um lugar especial na história da humanidade, um reflexo tangível das nossas convicções mais profundas. Não há novidade alguma em percorrer quilómetros em nome de um ideal, em levantar a voz e fazer ecoar no asfalto as inquietudes que carregamos no peito. Já se organizaram inúmeras marchas, e nelas, em muitas delas, tenho encontrado o meu lugar. Contudo, hoje, é diferente. Hoje, não me movo apenas por uma causa alheia, hoje caminho por algo que transcende o que se pode definir com palavras simples: caminho pelo meu movimento, pelo pulsar interior que me guia, sou voluntária de coração.

Ao longo da vida, fui aprendendo que a solidariedade não é apenas um ato que praticamos em momentos de generosidade fugaz. Não é um gesto esporádico de altruísmo que conforta a nossa consciência por breves instantes. A verdadeira solidariedade, aquela que enraíza e floresce, é um princípio, uma forma de ser e estar no mundo. No meu caso, esse princípio encontra-se intrinsecamente ligado à minha fé, à minha herança católica, cristã. Basta olhar para o exemplo maior, o nosso Mestre, Cristo, aquele que se entregou por completo, sem reservas, à humanidade. Nele encontro o modelo perfeito da caridade incondicional, e é essa inspiração que me impele a caminhar.

O ato de caminhar, por si só, não é apenas simbólico; é uma metáfora viva do esforço contínuo, da persistência. Não se trata apenas de avançar fisicamente, mas de trilhar também os caminhos interiores da alma. Cada passo que dou é uma extensão da minha crença no poder transformador da empatia, do olhar para o outro com verdadeira compaixão. Por vezes, quando caminho ao lado de outros, sinto que estamos todos conectados por um fio invisível de humanidade comum, como se os nossos corações batessem ao mesmo ritmo, guiados por uma sinfonia de esperança e justiça.

É curioso, porém, como, por mais que caminhemos para fora, o verdadeiro movimento se dá dentro de nós. Cada gesto de solidariedade, cada ato de voluntariado, ainda que direcionado ao outro, reverbera internamente. Torna-nos mais inteiros, mais humanos, mais próximos da nossa essência. E não é isso que, em última análise, buscamos? Não é esse o chamado mais profundo da nossa existência: o de sermos para o outro, o de nos transcendermos no ato de dar? Por muito que o mundo ao nosso redor grite individualismo, por muito que as forças da divisão tentem corroer os laços que nos unem, sinto que há algo inabalável no impulso de nos entregarmos pelo outro. E esse impulso, que não tem outro nome senão amor, é o que me sustenta, o que me faz avançar, passo a passo.

Ser voluntária de coração é uma escolha que faço todos os dias. E não é uma escolha fácil, nem deveria ser. Ser voluntária é, muitas vezes, abdicar do conforto, da segurança do ego, para mergulhar nas incertezas da partilha. Há um desapego necessário, um reconhecimento de que, na vulnerabilidade de nos oferecermos ao outro, encontramos uma força maior. Talvez seja por isso que esta jornada nunca é solitária, mesmo que, por vezes, possa parecer que estamos sozinhas a carregar os fardos do mundo. Há sempre, invisível ou não, uma rede de corações que se entrelaçam, que se apoiam mutuamente, que caminham juntas.

Lembro-me, com clareza, de um momento em particular que me marcou profundamente. Estava num centro de acolhimento, rodeada por rostos marcados pela dureza da vida, mas com olhos que brilhavam com uma chama inquebrável de esperança. Uma senhora idosa aproximou-se de mim, e as suas mãos, embora enrugadas e frágeis, tinham uma firmeza quase surpreendente quando seguraram as minhas. "Obrigada", disse ela, com uma simplicidade desarmante. Nesse instante, percebi algo que a teoria nunca me poderia ter ensinado: a solidariedade não é um fluxo de uma só direção. Ao dar, recebemos tanto, ou até mais, do que aquilo que oferecemos.

É por isso que, para mim, o voluntariado não é apenas uma prática de vida; é uma vocação. E, como toda vocação, exige entrega total. Não há meios-termos, não há hesitações. Ou nos entregamos por inteiro ou não o fazemos de todo. E quanto mais me dou, mais descubro o quanto há em mim por explorar, por crescer. É uma caminhada interminável, mas uma que faço com alegria, com a certeza de que, ao ajudar o outro, estou também a curar as minhas próprias feridas, a preencher os vazios que só o amor pode preencher.

Assim, continuo a caminhar. Não porque o mundo vá mudar de um dia para o outro, não porque a minha pequena contribuição vá resolver todos os problemas. Caminho porque acredito na força do movimento coletivo, no poder da união. E, acima de tudo, caminho porque, ao fazê-lo, estou a responder ao chamado mais profundo da minha alma: o de amar, incondicionalmente, com todo o coração.

Caminhar por uma causa é, afinal, caminhar por nós todos, e não há jornada mais bela do que essa.







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