O meu Wiko.
Ontem, enquanto me distraía a observar um grupo de conhecidas, assisti a um verdadeiro espetáculo, digno de qualquer comédia de costumes moderna, onde os atores trocam as máscaras pelo brilho dos ecrãs dos seus telemóveis. Elas discutiam com uma paixão quase religiosa os méritos e pecados dos seus aparelhos, como se a marca que escolhem fosse uma extensão do seu caráter. Uma, com ar de superioridade digital, exclamava: "Eu tenho um iPhone 15, mas honestamente, metade das funções nem uso! Não sei bem para que servem…" Ah, a trágica ironia de gastar uma pequena fortuna num objeto que é mais inteligente do que a pessoa que o possui. Quase senti pena.
Do outro lado, a antagonista desta pequena tragédia de bolso: "Eu não gosto da Apple, sou Samsung até à morte." E era dito com uma convicção que faria qualquer um pensar que estava a falar de um código moral inabalável, algo de grande importância cósmica, quando, na verdade, estava apenas a discutir a cor do cadeado da sua jaula tecnológica.
Lá estava eu, calada, observando de camarote o teatro destas criaturas que, sem se darem conta, se viam como gladiadoras no coliseu da tecnologia, lutando por marcas que as devoram sem piedade. Esperei pacientemente que terminassem a sua pequena guerra fria de silício e, quando o silêncio incómodo começou a instalar-se, senti o momento certo a aproximar-se. Claro, não podia desperdiçar a oportunidade. Decidi lançar a minha pequena bomba.
"Eu gosto imenso do meu Wiko Y80."
Ah, o silêncio que se seguiu. Aquele silêncio denso, quase palpável, como se tivesse acabado de invocar uma entidade proibida. Houve um instante de confusão nos rostos delas, como se estivessem a tentar localizar mentalmente se Wiko era uma nova marca de luxo que ainda não conheciam, ou se eu estava a brincar. Mas, ao perceberem que falava a sério, os rostos delas foram tingidos por uma mistura deliciosa de pena e nojo, como se o simples ato de pronunciar "Wiko" em voz alta as contaminasse.
"É velhinho", continuei, com a satisfação de quem está prestes a descarnar a vaidade de um pavão. "E, claro, dá-me problemas com frequência." Elas entreolharam-se, claramente perplexas, como se eu acabasse de confessar que vivia numa caverna e me alimentava de musgo.
"Problemas com o espaço", continuei, já com gosto pela autossabotagem. "Por vezes nem consigo atender chamadas. Às vezes, as chamadas nem passam!" Já nem disfarçavam a mistura de pena e superioridade. Era como se estivessem a assistir a uma peça de teatro experimental, do tipo que se vê só para poder falar mal mais tarde. Mas eu, com todo o prazer, desfazia o seu pequeno mundo de preocupações tecnológicas. "Faz o que preciso. Recebo chamadas — quando ele está num daqueles dias de bom humor, claro. E posso ir ao WhatsApp… quando ele decide deixar-me, claro."
Aí estava o golpe final. Elas ficaram sem palavras. Num mundo onde cada notificação, cada aplicação, cada novo gadget se transforma numa extensão vital da identidade, eu, com o meu Wiko, era um anacronismo vivo, um manifesto contra a obsessão pelo mais recente. Elas olhavam-me como quem olha para uma pobre alma que ainda escreve à mão cartas longas, seladas com cera, em vez de enviar um email.
Mas, no fundo, sabiam que eu estava certa. Elas, com os seus iPhones 15, os seus Samsungs ultramodernos, não são mais do que prisioneiras de um ciclo sem fim de atualizações, problemas de bateria e de câmaras com demasiados megapixels para as fotos das suas refeições ou do pôr-do-sol de cada férias.
Eu? Eu sou livre. Livre nos limites do meu Wiko desajeitado, que se recusa a morrer, mesmo quando imploro para que ele o faça. Cada vez que o ligo, é uma roleta russa: funcionará ou não? E essa emoção, essa imprevisibilidade, é algo que elas, com os seus telefones perfeitos e preditivos, nunca irão conhecer.
O meu Wiko é uma piada em forma de telemóvel, sim, mas a piada, no fundo, é que sou eu quem ri por último.