Suprema felicidade.

 A suprema felicidade da vida reside na convicção de ser amada por aquilo que sou, ou melhor, apesar de tudo aquilo que sou — os meus defeitos, as minhas contradições, os meus abismos internos. Esta frase, tão profundamente ressonante, provoca em mim uma reflexão quase visceral sobre a natureza do amor e sobre a vulnerabilidade inerente à condição humana.

É uma verdade inegável: amar e ser amada na plenitude do que somos exige uma coragem desmedida. Não se trata apenas de revelar as nossas virtudes — aquelas que cultivamos como joias preciosas para serem exibidas ao mundo — mas de permitir que o outro veja as nossas fragilidades, os cantos escuros que tentamos esconder até de nós mesmas. Quando sou amada apesar do que sou, sinto-me, paradoxalmente, aceita na totalidade do meu ser. Não é uma aceitação que ignora as minhas falhas; é, antes, uma aceitação que as reconhece e, mesmo assim, escolhe ficar. 

Este tipo de amor não é apenas raro; é revolucionário. Numa sociedade que valoriza máscaras de perfeição, onde somos constantemente incentivadas a maquilhar os nossos defeitos e a apresentar versões filtradas de nós mesmas, encontrar alguém que veja além das ilusões e, ainda assim, nos ame, é um ato de resistência. É um testemunho da força do amor autêntico, que não se assusta com os nossos monstros internos, mas aprende a conviver com eles. Não é um amor que tenta mudar-nos, mas que nos transforma pela simples dádiva de nos aceitar.

A felicidade que nasce dessa convicção é avassaladora porque subverte a lógica da meritocracia emocional. Durante tanto tempo, somos levadas a acreditar que o amor precisa ser merecido, conquistado com atos e comportamentos que correspondam a um ideal imaginado. No entanto, quando alguém nos ama na totalidade, sem condições nem exigências, percebemos que o verdadeiro amor não é uma transação; é um encontro. Um encontro em que o outro não apenas nos vê, mas nos reconhece.

E não será esta, afinal, a essência do ser humano? Desejamos ardentemente ser vistas, não apenas na superfície, mas em todas as camadas que nos compõem. Queremos acreditar que somos mais do que os nossos erros, mais do que os nossos fracassos. Desejamos encontrar no olhar do outro a confirmação de que, apesar das nossas sombras, ainda somos dignas de amor.

Contudo, esta convicção exige de nós um processo doloroso: o da autoaceitação. Como posso esperar que outro me ame "apesar" do que sou, se eu mesma rejeito partes de mim? Há uma ironia aqui: o amor verdadeiro do outro, aquele que me aceita na íntegra, também me convida a olhar para mim com mais gentileza, a acolher aquilo que sempre considerei inaceitável. É um círculo virtuoso onde o amor próprio e o amor do outro se alimentam mutuamente.

Porém, é preciso dizer que este amor não é passivo. Amar alguém "apesar" do que ela é não implica uma complacência cega. Pelo contrário, é um amor que vê as imperfeições, que desafia, que exige crescimento, mas que nunca coloca a nossa essência em xeque. É um amor que não abdica de nós, mesmo quando erramos, porque entende que errar faz parte de sermos humanas.

Neste pensamento, encontro uma serenidade única. Saber-me amada assim, um amor desta natureza, é libertador. É a prova de que o amor verdadeiro não é um pedestal que nos exige perfeição, mas um solo firme onde podemos assentar os pés, com todas as nossas marcas e cicatrizes. Afinal, como dizia Victor Hugo, a suprema felicidade da vida não é apenas o amor, mas a certeza de que somos amadas exatamente como somos — ou, mais ainda, apesar disso. 

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