Existir... Ser
Vivo neste mundo onde cada segundo parece ser arrancado do tempo com uma força inevitável, como se a própria vida fosse um empréstimo que já começamos a pagar desde o primeiro respirar. E ao mesmo tempo que este tempo nos escapa, uma urgência cega e fria nos empurra para fazermos mais, dizermos mais, termos mais. Mas eu pergunto: para quê? Se, no final, o tempo é finito, e nós – pequenas poeiras na imensidão – acabamos esmagados sob o peso dos dias e das escolhas, das palavras que disparamos sem refletir, e dos julgamentos que proferimos sem fundamento.
Eu escolho, sim, o caminho do ser sobre o do ter. Ter é fácil, até um pouco banal, porque se limita ao que pode ser contado, trocado, conquistado, mas também perdido. Aquilo que sou, no entanto, vive num espaço íntimo e indizível, que só eu posso compreender, moldado pelas minhas experiências, pelas minhas dores, pelas batalhas travadas em silêncio, pelas noites insones em que me perco em dúvidas, e pelas manhãs em que, contra tudo, decido erguer-me outra vez. Esse "eu" é único e irrepetível, e nenhum bem material pode traduzir o que é ser eu.
Não julgo. Ou, ao menos, tento afastar-me dessa tentação, mesmo quando o julgamento me espreita no pensamento. Talvez porque compreendo, no mais profundo, que cada ser carrega uma sombra própria, uma bagagem invisível que nos torna todos frágeis e, simultaneamente, tão teimosamente fortes. Todos erramos, todos os dias, nas coisas pequenas e nas maiores. Todos temos as nossas verdades e os nossos enganos. Caminhamos lado a lado, e mesmo assim há quem decida virar o rosto, como se o outro fosse uma personagem descartável, um cenário secundário na história principal que é a própria vida.
É cruel, e ironicamente absurdo, que a nossa sociedade cultive esta prática de ignorar a vulnerabilidade do outro, como se fosse uma escolha. É quase uma violência rotineira, este ato de olhar apenas as falhas, de simplificar a pessoa à última má escolha ou ao erro que marcou uma fase. Ao reduzir alguém ao que tem ou ao que fez de errado, esquecemos que, por trás de cada rosto, há um ser humano que também sente o peso da pressa, da angústia, da luta constante. Cada um de nós carrega batalhas que se travam no silêncio – aquelas guerras internas que nos rasgam, mas que também nos moldam, e que nunca são visíveis para quem olha superficialmente.
E o que dizer daqueles que caminham pelo mundo como juízes, sem compreender o dano que causam? Como posso compreender quem lança palavras duras, como pedras, sem lembrar que cada uma pode encontrar um coração já ferido, uma mente já exausta? É como se o tempo do outro não valesse o mesmo que o nosso, como se as dores alheias fossem menos reais. Mas eu, estando também neste jogo de equilibrista que é a vida, sei o quão limitados somos todos. E quem ignora isso, quem anda pelo mundo sem perceber o quão efémero é tudo, perde-se na própria cegueira de achar que tem sempre o direito de medir os outros.
Digo isto sabendo que talvez seja uma luta inglória, mas não me calo. Decidi que, enquanto aqui estiver, faço o esforço de deixar uma palavra boa. Não se trata de fugir à verdade ou ignorar as dificuldades, mas de lembrar que, no final das contas, o que realmente resta de nós é o bem que deixamos. Sim, é um esforço. Requer um olhar profundo, uma empatia consciente, e a capacidade de calar a própria voz quando ela quer gritar que "eu estou certa, eles estão errados". Todos caímos, e há dias em que sou eu a falhar, a tropeçar nas minhas fraquezas, a duvidar de mim. Mas se, nesses momentos, alguém estender uma mão em vez de me empurrar para o chão, então eu entendo o poder de uma palavra boa.
O meu compromisso é este: falar com a clareza de quem entende a finitude. Viver sabendo que amanhã posso já não estar aqui, e, se tiver que partir, que seja sem o arrependimento de ter ferido, de ter destruído com palavras aquilo que poderia ter sido construído com compreensão. Porque o tempo é demasiado curto para me perder em mesquinharias, em apontar o dedo, em nutrir um ego cego que me leva a pensar que sou melhor que o outro.
E assim, mesmo que para alguns isso pareça uma ingenuidade, escolho olhar para o outro com o respeito que merece, com a humanidade que espero para mim mesma. Porque, no final, o que somos é um instante partilhado. Se posso aproveitar este momento para deixar algo que faça sentido, que alivie a carga de alguém, que ilumine um coração, então é isso que eu faço. E se todos nós fizéssemos o mesmo, talvez o mundo fosse um lugar menos pesado, um pouco mais leve para suportar o fardo comum de simplesmente existir.