Surpreendida.
Eu tenho uma memória prodigiosa, quase um arquivo organizado de pessoas, momentos, rostos, pequenos detalhes que se fixam em mim de forma vívida e quase inescapável. Justamente por isso, fiquei realmente surpresa com o que vivi hoje. Em plena conversa com uma mulher que me parecia um tanto desconhecida, ela me revelou, após uma hora de confidências, que fomos amigas de infância, colegas de escola primária. Era uma afirmação que, para mim, soou como uma novidade absoluta, pois, apesar de sua descrição calorosa e detalhada, eu não conseguia associar seu rosto a qualquer lembrança minha. Fiquei num silêncio que, talvez, ela tenha interpretado como cumplicidade, mas na verdade era o vazio de uma memória que, sem qualquer razão, simplesmente não existia.
Ela falou com entusiasmo, descreveu situações, traçou cenas e gestos, quase pintando um quadro no qual eu própria era protagonista, vista através de seus olhos. Em seu relato, reconheci fragmentos do meu passado—brincadeiras, professora, episódios que ela guardou com uma precisão enternecedora. No entanto, eu própria estava ausente do que ela narrava, como uma memória suspensa que nunca me pertenceu.
Era estranho sentir-me dividida entre a empatia e o constrangimento. Por um lado, quis honrar sua alegria e retribuir a afeição com que ela trouxe à tona aquelas memórias. Por outro, confrontava-me com a minha própria incapacidade de retribuir aquela lembrança, ainda mais sabendo que tenho o hábito de guardar e cultivar memórias com grande precisão. Ela, com naturalidade e leveza, lembrava-me de como éramos próximas, como aquela amizade lhe marcou; eu, por minha vez, debatia-me com a realidade de que aquele rosto não me despertava qualquer emoção.
No entanto, ao ouvi-la, senti que algo em mim cedia ao encanto da sua memória. Era como se, através dela, eu redescobrisse uma infância que julgava nítida e imutável, mas que, afinal, escondia lugares esquecidos, resgatados pelo afeto dela. Trocamos contactos, redes sociais—ela, com a mesma alegria do reencontro; eu, um pouco desarmada pela força daquela recordação unilateral. Darei a mim mesma o tempo de resgatar, quem sabe, os ecos de uma amizade antiga, de um pedaço de vida que ela manteve intacto.
Não prometo ser a amiga que ela espera reencontrar, pois as memórias moldam-nos a cada instante e, para mim, este reencontro foi tanto uma descoberta quanto uma reflexão sobre o que esquecemos e o que, por vezes, os outros guardam de nós. Tentarei, ao menos, honrar a partilha genuína que ela me ofereceu, e talvez permita que ela me guie por essa memória que agora eu própria espero redescobrir.