Intenções.

 Quando me afasto, não o faço com a intenção de ensinar lições ou de provocar dores. Pelo contrário, o meu afastamento é um reflexo silencioso das lições que a vida já me ensinou. Afasto-me porque aprendi a valorizar a serenidade da minha alma, o equilíbrio das minhas emoções e a dignidade do meu próprio espaço. Nem sempre é porque deixei de gostar das pessoas, porque, verdade seja dita, o afeto pode persistir mesmo em meio ao desencanto. Afasto-me porque percebi, com clareza, que aquilo que se espera das relações humanas — a reciprocidade, o respeito mútuo, a consideração — nem sempre floresce como deveria.

Aprendi, com o passar do tempo, que posso desculpar e até perdoar erros. Somos humanos, e os erros fazem parte dessa imperfeição inerente a todos nós. No entanto, há um limite tênue e delicado entre os erros que a vulnerabilidade humana explica e a falta de consideração, respeito ou empatia que simplesmente não posso ignorar. Esses não são equívocos momentâneos; são padrões, escolhas, reflexos de valores. Perdoar, sim, eu perdoo. Não carrego ressentimentos como pesos inúteis no coração, mas o perdão não implica esquecimento, e tampouco significa que devo permanecer em lugares ou ao lado de pessoas que me diminuem, que me negligenciam ou que não sabem valorizar o que sou.

Afastar-me é um acto de amor-próprio, um grito silencioso de que o meu bem-estar não é negociável. Sei que a convivência nem sempre é um mar de rosas, que as relações têm altos e baixos, mas também sei reconhecer quando o que dou de mim mesma não é correspondido na mesma medida. E não se trata de esperar que os outros retribuam na exata proporção; não quero pesos ou balanças nas relações, mas apenas uma centelha de reciprocidade, de cuidado genuíno.

Quando sinto que o que ofereço é recebido como se fosse um direito adquirido, e não como um presente merecido, é nesse momento que percebo que o afastamento é necessário. Ele não é uma punição; é uma protecção. Afasto-me não para ferir, mas para curar. Não para magoar, mas para preservar a minha essência.

Deixei para trás a ilusão de que o amor, a amizade ou qualquer laço humano deve ser mantido a qualquer custo. Não, alguns custos são demasiado altos: a minha paz, a minha dignidade, a minha alegria de viver. Quando noto que me encontro a dar mais do que recebo, a tolerar mais do que é justo, a ser menos eu mesma para agradar ou encaixar, então sei que é o momento de partir. Não com rancor, mas com a convicção de que mereço algo melhor, ou simplesmente algo mais leve.

O afastamento não é um fim definitivo, mas um recomeço. É a chance de me redescobrir longe de ambientes que me esgotam. É um acto de reflexão, de autoconhecimento, de aceitação de que nem todas as relações estão destinadas a durar. E tudo bem. Afinal, a vida é um constante aprender, um constante desapegar. Não deixo que o afastamento seja um muro entre mim e o mundo, mas uma ponte para novas possibilidades, novos encontros, e, sobretudo, para um relacionamento mais profundo comigo mesma.

Sei que muitas vezes os outros interpretam o meu afastamento como frieza ou indiferença. Nada poderia estar mais longe da verdade. O que eles não veem é o turbilhão de emoções que antecede essa decisão: a tristeza de perceber que algo que valorizei não tem mais lugar no meu caminho; a dor de aceitar que, por mais que tente, não posso mudar o outro; e, ao mesmo tempo, a força de reconhecer que mudar-me a mim mesma para permanecer não seria justo nem autêntico.

Ao afastar-me, não nego o passado. Honro os momentos bons, as memórias felizes, os instantes de conexão verdadeira que partilhei. Mas também aceito que as pessoas mudam, que os caminhos se separam e que, às vezes, o mais sábio é seguir em frente, mesmo que isso signifique caminhar sozinha por um tempo.

Afasto-me porque acredito que o respeito por mim mesma é o alicerce de qualquer relação saudável. E se esse respeito não vem do outro, é meu dever oferecê-lo a mim mesma. Continuarei a amar, a perdoar, a sentir. Mas jamais permitirei que a ausência de consideração, a falta de empatia ou o descaso me reduzam à sombra de quem realmente sou. E se isso significa afastar-me, então que assim seja.

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