O "ola".

 Era um daqueles almoços longos e despreocupados em que, entre uma garfada e outra, você se pega a discutir a natureza do universo, se Deus tem um senso de humor (eu diria que sim, considerando minha vida), e se a moralidade é inata ou socialmente imposta. Eu e minha amiga estávamos, como sempre, imersas em debates dignos de um simpósio grego, só que regados a vinho e perto de uma churrasqueira que conhecia mais carne do que qualquer churrascaria da região.

Tudo corria bem até que o telefone dela tocou com uma urgência que fez nossos temas filosóficos parecerem secundários. “Já volto”, ela disse, desaparecendo para atender. Fiquei sozinha, cercada por pratos, talheres e um silêncio que, depois de tanto papo, soava mais alto do que qualquer grito.

Decidi fazer o que uma boa hóspede deve fazer – limpar a mesa. Foi então que, como um sussurro saído das sombras, ouvi: “Olá”. Não um “olá” amigável, daqueles que te convidam para uma conversa, mas um “olá” que parecia ter saído das profundezas existenciais que eu e minha amiga acabávamos de debater.

Parei, respirei fundo e pensei: “Calma, você está apenas sentindo a reverberação dos debates sobre a existência de Deus e a possibilidade de ele ter um lado brincalhão”. Mas aí o “Olá” voltou, agora seguido por um assobio – não qualquer assobio, mas a Marcha Fúnebre. Exato. O universo, ou Deus com seu senso de humor duvidoso, estava me pregando uma peça.

A única resposta lógica? Pegar a vassoura. Desafiei as leis da razão e fui explorar a casa. Comecei pelo sótão, um lugar que poderia muito bem ser cenário de um filme de terror B. Depois, passei pelos quartos – um a um, abrindo portas com a coragem fingida de quem está pronto para enfrentar um espírito zombeteiro. O que encontrei? Só o reflexo do meu próprio pânico.

Quando voltei à sala, um pouco mais calma e com a vassoura parecendo um bastão de poder místico, ouvi de novo: “Olá”. Já estava pronta para argumentar com o além sobre as complexidades de ser deixada sozinha em uma casa desconhecida, mas decidi que era hora de investigar a área externa. Destranquei a porta que dava para os fundos, onde a churrasqueira já testemunhara discussões filosóficas e carnes no ponto perfeito, e fui em direção à garagem, agora transformada em sala de música.

E lá estava ele, o verdadeiro autor do drama existencial. Um papagaio, com uma expressão astuta e penas que pareciam de quem já viu demais. Ele me olhou, solene, e repetiu: “Olá”. Pausa dramática. E, para garantir que eu entendesse o recado, assobiou novamente a Marcha Fúnebre.

Soltei a vassoura, ri de nervoso e sentei no chão da garagem. Se Deus existe e tem um senso de humor, ele definitivamente se manifesta através de papagaios travessos e filosofias de fundo de quintal.







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