O tempo...

 Ah, senhor Tempo, essa entidade austera e silenciosa, guardião de todos os segredos, confidente das dores que não ouso confessar, tatuador das cicatrizes que carrego em silêncio. És tu, mestre eterno das voltas que a vida dá, quem com tua mão invisível, mas decisiva, vai moldando os contornos da minha existência. Cada dia, cada hora, tu me revelas o poder que tens de conduzir o destino, de ordenar o caos, de dar sentido ao que outrora era apenas dor crua e sem resposta.

Não corro atrás de ti, nem tento desvendar os teus mistérios, pois seria inútil; sei que és inatingível. Tu percorres a tua jornada sem pressa, sem pausa, como um rio que corre imperturbável, alheio aos tropeços de quem, como eu, busca compreender o seu próprio lugar no fluxo da vida. Percebo agora que és um poeta que me sussurra lições preciosas, lições que só o tempo é capaz de ensinar, no ritmo certo, na medida exata.

Tempo, tu és o mais impiedoso e, ao mesmo tempo, o mais generoso dos mestres. És tu quem me ensinou que cada coisa, cada emoção e cada pessoa têm o seu momento próprio, que a pressa é uma ilusão e que o desejo de controlar a ordem dos acontecimentos é, na verdade, um diálogo vazio com o vento. Com o passar dos anos, compreendi que tu és um escultor paciente, que trabalha com uma paciência dolorosa para mim, mas necessária para que eu possa ver o que realmente importa, para que possa distinguir o transitório do eterno.

Recordo-me de todas as vezes em que chorei por amores perdidos, por projetos fracassados, por sonhos desfeitos – e tu, sereno, não disseste nada, mas estavas lá, a acompanhar-me. Sem que eu percebesse, eras tu quem sarava as minhas feridas, transformando-as em cicatrizes que, hoje, uso como medalhas silenciosas. São marcas que me lembram não das dores em si, mas das forças que encontrei dentro de mim para sobreviver a elas. Ah, Tempo, quantas vezes amaldiçoei a tua lentidão, sem me dar conta de que precisavas desse compasso para que eu, por fim, aprendesse a lição.

E é assim, com o passar dos ciclos, que tu me ensinas a saborear as pequenas alegrias que, outrora, a impaciência me impedia de enxergar. São as manhãs de sol, os sorrisos espontâneos, as conversas que se prolongam sem compromisso de chegar a lugar algum. São os encontros que a vida, sob o teu olhar invisível, me oferece quando menos espero, e que trazem a leveza de quem entende, finalmente, que o tempo certo é o teu, não o meu.

Oh, senhor Tempo, compositor incansável do meu destino, arquiteto das minhas esperas e das minhas colheitas. Por ti, aprendi a aceitar as despedidas que antes tanto me feriam, a reconhecer que há pessoas que surgem e desaparecem como as marés, deixando um pouco de si nas areias da minha memória. Por ti, entendo agora que o que se vai não é necessariamente perda, mas transformação, ciclo que se cumpre para dar lugar a novos começos.

E hoje, ao olhar para trás, vejo que não persigo mais os teus versos, nem tento decifrar os teus segredos; sigo apenas, atenta e reverente, absorvendo as lições que me ofereces, colhendo o que plantaste em mim. Sinto que, se sou o que sou, é graças a essa poesia que insistes em declamar, a cada amanhecer, a cada ocaso. És tu, Tempo, o artífice do meu amadurecimento, o pincel que dá forma à minha história, o guia que me mostra o valor das coisas na medida em que estás pronto para revelá-las.

És, no fundo, um amigo discreto, às vezes duro, mas sempre sábio. Um amigo que, ao fim de cada ciclo, me lembra que a vida é uma travessia e que, como um bom poema, tudo nela se encaixa.

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