O que é ser voluntário num movimento da Igreja?

 Ser voluntário… ah, esta palavra que soa simples, mas que transporta o peso e a leveza do mundo. Ser voluntário é dizer “sim” sem garantias, é oferecer o tempo sem esperar recibo, é amar sem exigir retorno. E quando esse voluntariado acontece no seio de um movimento da Igreja, estamos perante algo ainda maior: um chamamento espiritual, uma missão da alma.

Ser voluntário é olhar com olhos que verdadeiramente vêem — e não apenas observam. Porque ver o outro não é notar a roupa que enverga ou o tom da sua voz. É discernir a alma que grita por dentro, mesmo quando o rosto esboça um sorriso por fora. Ser voluntário é escutar com ouvidos que acolhem — não apenas captam som. É captar o que não foi dito, o que se esconde nas entrelinhas do silêncio, no intervalo entre uma lágrima contida e um “está tudo bem” mal disfarçado.

É necessária coragem. Mas não a coragem ruidosa dos heróis de ficção — é a coragem serena de quem enfrenta a indiferença com afecto, a pressa com paciência, a superficialidade com profundidade. Porque ser voluntário é, em essência, um acto de rebelião: é ir contra a corrente do egoísmo, do imediatismo, do individualismo.

No contexto de um movimento eclesial, ser voluntário é tornar-se instrumento do amor de Deus. É compreender que não se está ali para “ajudar os pobrezinhos”, mas para caminhar com irmãos. É entender que ninguém é superior a ninguém, e que o voluntariado não é caridade no sentido assistencialista — é comunhão, partilha, humanidade. A verdadeira caridade cristã é radical, porque exige o reconhecimento do outro como igual. Não há pedestal. Há chão comum.

O bom voluntário é alguém que:

Sabe escutar mais do que falar (ainda que, por vezes, tenha algo belo a dizer);

Possui empatia, mas também sabe impor limites: ajuda sem se anular;

Cultiva a paciência, mas não se resigna: sabe esperar, mas age quando necessário;

Compreende sem condescender: olha nos olhos e diz a verdade com ternura;

Não julga nem prega — acolhe, orienta e acompanha.

E, acima de tudo, o bom voluntário possui uma competência que não consta em nenhum currículo, mas que brilha na alma: o dom da presença verdadeira. Num mundo hiperconectado, mas emocionalmente deserto, ser voluntário é ser presença que toca, que olha, que diz: “Tu importas. Eu estou aqui.”

Ao longo desta jornada, tenho aprendido imenso — não apenas com aqueles que servimos, mas sobretudo com outros voluntários. Aprendi novas formas de estar, de olhar o mundo e os vínculos humanos com mais empatia, mas também com maior clareza. E, tantas vezes, aprendemos também aquilo que não queremos ser. Já vi de perto quem ali está apenas pela visibilidade, pela estética do bem — para aparecer na fotografia, publicar nas redes sociais ou enriquecer o currículo. Mas o voluntariado não é palco nem vitrina. E, sejamos sérios: se é para atrapalhar, para alimentar vaidades ou satisfazer carências de atenção, então mais vale não aparecer. De coração: se o que se procura é protagonismo, pague-se uma terapia. Numa hora de escuta dedicada, talvez se encontre o que se anda a projectar nos outros.

Voluntário não é quem faz o que quer, quando quer. É quem compreende o propósito, honra o compromisso e respeita a responsabilidade de estar com e para o outro — mesmo quando não é bonito, mesmo quando não rende fotografias, nem elogios, nem “gostos”. Porque amar não é exibição. É escolha. É entrega.

Sim, é cansativo. Há dias em que tudo o que se quer é desaparecer num sofá, e, ainda assim, lá vamos. Porque sabemos que o outro também está cansado — da dor, da solidão, da vida. E então vamos, seguramos uma mão. E, por vezes, isso basta. Às vezes, é tudo.

Ser voluntário é uma espécie de loucura sagrada. É dar o melhor de si sabendo que talvez ninguém repare. Mas Deus vê. E isso basta. É sorrir mesmo com o coração exausto. É preparar uma refeição e entregar, junto com ela, um pouco de dignidade. É escutar a história do outro como se fosse a nossa, porque, no fundo, todas as histórias se cruzam.

Ser voluntário é tornar-se pequeno para caber no coração do outro. É não se importar de ficar nos bastidores, porque a luz que o move não precisa de palco — vem de dentro. É rir das próprias falhas e, com humor, lembrar que ninguém nasce sabendo amar — mas que cada dia é uma nova oportunidade para aprender.

Em última instância, ser voluntário dentro da Igreja é viver o Evangelho com os pés no chão e o coração no alto. É rezar com as mãos sujas de terra, é amar com os gestos, é ser Cristo presente na rotina, nos detalhes, nos pequenos actos que, discretamente, mudam o mundo — uma alma de cada vez.

E, se um dia alguém me perguntar o que é ser voluntário, talvez não saiba responder com palavras. Mas poderei responder com a vida: “É amar. Simples assim. E profundamente assim.”


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