Morro. Todos os dias. E não é figura de estilo.

 Adormeço?

Não. Eu morro.

Todos os dias.

Às vezes sentada. Outras vezes a caminho do banho. Houve uma terça-feira em que morri com uma chávena na mão e o nome de Kierkegaard na boca. Nem tive tempo de acabar o pensamento — ou a chávena.

O que me mata não é um grande drama — é o milagre quotidiano de tentar fazer tudo.

E o mais estranho é que, na maior parte dos dias, quase consigo.

Sim, sou uma daquelas criaturas raras, em vias de extinção, que consegue manter uma vida de estudo autodidata em psicologia, teologia, filosofia, enquanto ajuda os outros, vai à missa, faz voluntariado, cozinha (às vezes bem), faz agachamentos com a mesma fé com que reza, e ainda tem tempo para discutir com o marido — que, aliás, é o mesmo homem com quem namorei pela primeira vez. Eu sei. É quase imoral.

Sou um paradoxo com pés.

Ou com sapatilhas de corrida, vá. Porque sim, também gosto de mexer o corpo. Transpiro ideias e glúteos.

O meu dia começa com força e termina em colapso. No início da manhã, sou praticamente uma santa militante. Ao fim do dia, sou uma mártir decadente com olheiras e uma leve amnésia selectiva. E ainda assim, escrevo. Todos os dias. Como quem deixa um bilhete para a alma não se perder.

O problema?

Partilhar esses textos é outro departamento.

Porque no final de cada dia, quando tudo está (mais ou menos) feito, o que sobra de mim é uma versão pós-morte semi-digna. Uma alma cansada com intenções literárias. Uma mulher que olha para os próprios textos com amor... e diz: “Hoje não. Hoje morro.”

E morro.

Morro com elegância, mas sem testemunhas.

Não sou uma dessas almas dramáticas que fazem da exaustão um espetáculo. Não. Eu morro de fininho. Com compostura. Com uma camisola velha e meias sem par.

Depois ressuscito, claro.

Acordo no dia seguinte com a mesma força de sempre, como quem foi beatificada por acidente. Não sei como. Não me perguntem. Deve ser da oração. Ou da vitamina D.

O mais engraçado — ou trágico, dependendo do humor do leitor — é que sou uma mulher feliz. Não uma dessas felicidades instagramáveis, com frases em inglês e jarras de eucalipto seco. Não. A minha é uma felicidade prática, trabalhada, feita de fé, livros riscados, dores musculares e muitos cafés reaquecidos.

Gosto do que faço.

Gosto de estudar. Gosto de ajudar. Gosto de fazer perguntas difíceis. Gosto de Deus, mesmo quando Ele não responde logo.

Gosto de quem precisa.

Gosto de me rir do absurdo.

Gosto de escrever.

E gosto — com um certo orgulho quase herético — de ser uma mulher que ainda ama o marido com quem partilhou o primeiro beijo.

Digo isto não para provocar inveja, mas porque é verdade. Estamos juntos há tanto tempo que já temos vocabulário próprio, feridas antigas e um pacto tácito de que isto é para durar — mesmo quando o wi-fi falha ou a paciência se esgota.

Escrever todos os dias, então, é a minha forma de respirar com palavras.

Mas há dias em que a vida não deixa.

E eu aceito. Com alguma comédia e bastante filosofia.

Porque escrever é uma arte — mas morrer com dignidade ao fim do dia é uma performance.

Chamo-lhe o meu pequeno teatro espiritual. A peça intitula-se:

"A Mulher Que Morre Todos os Dias Mas Nunca Perde a Graça"

Classificação etária: para almas cansadas com esperança.

Por isso, se me vês ausente, se não recebes textos, se achas que desapareci… não te preocupes.

Estou apenas num dos meus falecimentos diários.

Não é doença. É vocação.

Em breve, ressuscito.

Com outro texto.

Outra ideia.

Outro humor.

Talvez até com as meias certas.

E quem sabe — com tempo para partilhar.

Até lá, lembra-te:

Morro. Mas com propósito.

E volto sempre melhorada.

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