Eu, mãe, é que sei exatamente o que escrever

 Foi hoje, durante o intervalo. Estava encostada à rede, como tantas vezes, à espera de o ver, de o ouvir, de partilhar um momento daqueles só nossos, que só as mães conhecem.

Entre o tilintar do recreio e os risos soltos dos colegas, ele aproximou-se de mim, com aquele ar meio distraído, meio cúmplice.

"Mãe, tenho uma coisa para te entregar."

Não sei porquê, mas aquela frase parou-me. Talvez fosse o tom. Talvez fosse o momento — tão banal, e ao mesmo tempo tão cheio de significado.

"Umas coisas que a professora me deu na sexta-feira," disse ele, com a maior das naturalidades, como quem entrega um bilhete qualquer.

Sorri. Ri, até. Há quanto tempo ele não fazia uma destas? Tão ele, tão próprio destas fases em que já não são pequenos, mas ainda não são crescidos.

São as coisas de ser finalista.

Mais tarde, quando o fui buscar para o almoço, a conversa voltou. Perguntei o que era aquilo afinal.

Foi então que, com aquele jeito muito dele, meio teatral, meio sincero, me disse:

"Pensaste que te tinhas livrado disso… mas afinal vais ter que fazer."

E logo acrescentou, com uma segurança que me surpreendeu:

"E sabes exatamente o que escrever."

Olhei para ele e sorri com o coração cheio. Mas, cá por dentro, pensei:

"Sim, meu amor. Tu sabes que eu sei exatamente o que escrever. Eu, mãe."

Porque fui eu que te vi crescer entre estas paredes pequeninas da escola da aldeia que te curou as feridas passadas.

Fui eu que segurei a tua mão nas primeiras entradas nervosas.

Fui eu que ouvi os teus medos, os teus entusiasmos, os teus silêncios.

Fui eu que te vi adormecer com a cabeça cheia de letras novas e acordar com os olhos a brilhar de curiosidade.

Fui eu que vivi contigo cada passo, cada tropeço, cada conquista.

E por isso, quando dizes que eu tenho de escrever “aquelas coisas para a professora”, eu sei o que isso significa:

Significa despedida.

Significa fechar um ciclo.

Significa deixar para trás esta escola que foi um ninho, esta aldeia que foi mundo, estas pessoas que foram exemplo.

Estamos felizes, ele e eu.

Mas há um nó na garganta, difícil de disfarçar.

Porque este fim de etapa dói — dói de um jeito bonito.

Dói porque sabemos o quanto foi bom.

Vai deixar saudades a pequena escola, com os seus cantos familiares e sons de sempre.

Vai deixar saudades a rede onde conversámos hoje, como tantas outras vezes.

Vai deixar saudades esta equipa que não foi só profissional: foi humana, atenta, dedicada — exímia.

Foram muito mais do que professores: foram presença, cuidado, inspiração e respeito pela nossa realidade.

O meu filho, agora finalista, ainda corre para mim no intervalo.

Mas já leva no olhar a maturidade de quem está pronto para ir mais longe.

E leva consigo tudo o que aprendeu aqui — mais do que nos livros, na vida.

Leva valores. Leva raízes. Leva amor.

E por isso, sim, escrevo. Digo o que sinto, do meu jeito.

Mas nunca te esqueças:

eu, mãe,  sei exatamente o que escrever.

Porque estive lá. Porque vivi tudo contigo.

E porque vou levar esta escola, esta aldeia, estas pessoas, comigo — no coração — para sempre.

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