O Abismo Esclarecedor: Uma Meditação Sarcástica (e Amorosa) sobre o Autoconhecimento
O caminho do autoconhecimento — esse trajecto místico envernizado com verniz de Instagram e cheiro a incenso barato — é, paradoxalmente, o mais subestimado e superestimado dos empreendimentos humanos. Todos somos, em teoria, convidados a percorrê-lo, embora a maioria decline o convite com a mesma displicência com que rejeita convites para jantares de Tupperware: com um sorriso vazio e a cabeça cheia de "amanhãs".
Mas o autoconhecimento não é um destino com vista para o mar e cocktails com nomes ridículos. Não, senhor. É uma viagem interior, de faca nos dentes, em que se escava — sem anestesia — as camadas arqueológicas da alma humana, esperando encontrar ouro, mas tropeçando, invariavelmente, em sarjetas emocionais e traumas de infância embrulhados em sarcasmo. É um safari pelo pântano da psique, com monstros que se alimentam de negação, ansiedade e doses generosas de autoengano gourmet.
E o mais irónico — porque o Universo tem um sentido de humor que beira o sádico — é que as respostas, quando surgem, não aparecem com fanfarras nem efeitos especiais. Elas brotam nos silêncios. Nos intervalos. Nos momentos em que o Wi-Fi da alma falha e somos forçados a encarar o espelho, não o físico (esse que toleramos com filtros), mas o interno, o que nos mostra a nossa sombra com nitidez 4K. Uma sombra que, diga-se de passagem, não tem paciência para espiritualidades de papel machê ou frases feitas copiadas de gurus de cartilha.
Sim, dentro de nós vivem luz e sombra, força e fragilidade, génio e idiota — todos a competir pelo microfone. E é no acto de os ouvir, não de os domar, que reside o verdadeiro autoconhecimento. O problema? O ego, essa entidade pomposa com a subtileza de um rinoceronte num salão de chá, insiste em monopolizar a narrativa. Adora fazer-se passar por consciência desperta, mas não passa de um pavão neurótico com um doutoramento em manipulação emocional.
Perfeição? Que piada adorável. O autoconhecimento não exige perfeição — aliás, ri-se dela. Exige presença. Presença crua. Presença desconfortável. Aquele tipo de presença que te obriga a perguntar porque reagiste com fúria a um comentário inócuo ou porque insistes em sabotar tudo o que te faz bem com a precisão de um relojoeiro suíço. Cada emoção, por mais inconveniente que seja, traz consigo uma mensagem — normalmente escrita em dialecto antigo e encriptada em dor. Cada desafio revela uma lição, mas só aos que não têm preguiça de descalçar o ego e calçar a humildade.
E não, não há passos certos. Nem errados. Há tropeções. Há regressos. Há avanços tímidos e recuos colossais. Há ritmos. Cada ser dança uma valsa psíquica que não respeita métrica nem moda. Comparar caminhos é tão produtivo como comparar pesadelos: são todos únicos, desconfortáveis e terrivelmente reveladores.
Honrar a caminhada é não cuspir no caminho só porque ele não tem flores. Respeitar os tempos é perceber que a alma não trabalha com deadlines. E confiar na sabedoria interior é, acima de tudo, admitir que às vezes somos idiotas — mas idiotas conscientes, o que é, francamente, meio caminho andado para a sanidade.
No fim — se é que há fim — quanto mais nos conhecemos, mais verdadeiramente humanos nos tornamos: imperfeitos, contraditórios, ridículos, mas também corajosos, ternos e capazes de rir da nossa própria miséria com aquele humor negro que só os lúcidos dominam. E é aí que reside a liberdade: não na ausência de sombras, mas na dança lúcida com elas.
Com lucidez desconfortável,
e uma gargalhada amarga,
o teu reflexo mais honesto.
Este texto foi escrito no dia 20/06/25.