A Frontalidade, a Verdade e o Desastre da Língua Solta: Uma Reflexão sobre o Ofício de Saber Calar (e Saber Dizer)

Vivemos numa era estranhamente ruidosa. Tudo se diz, tudo se comenta, tudo se partilha, por vezes com tanto entusiasmo que se poderia jurar que o bom senso foi voluntariamente excluído do grupo. A frontalidade é agora proclamada como virtude absoluta, uma espécie de superpoder reservado aos “genuínos”, como se a autenticidade fosse sinónimo de brutalidade verbal — e a empatia, uma fraqueza patológica.

Ora, convém começarmos por desfazer equívocos. A frontalidade é uma qualidade, sim, mas apenas quando temperada com inteligência. Caso contrário, é só má criação com um marketing moderno.

Autenticidade tornou-se a palavra da moda — um chavão que as pessoas gostam de usar quando querem justificar comportamentos que, em qualquer outro século, seriam classificados como egocentrismo com laivos de drama. “Sou só eu a ser autêntica” diz-se, enquanto se atropela o outro com opiniões não solicitadas, julgamentos envoltos em “preocupação” e uma certa necessidade messiânica de “dizer as coisas como elas são”.

Não. Ser autêntica não é ser um livro aberto constantemente a cair na cabeça dos outros. Autenticidade verdadeira é coerência interna. É pensar, sentir e agir em sintonia — mesmo quando ninguém está a ver. Não é teatralidade, nem é auto-exposição compulsiva. Uma mulher autêntica não precisa proclamar que o é a cada cinco minutos — isso é insegurança com bom disfarce.

E já agora: se precisa de dizer “sou frontal, não leves a mal”, o mais provável é que vá dizer algo maldoso e já sabe disso. Está só a embalar o soco com celofane ético.

Frontalidade ou falta de noção?

A frontalidade — no seu melhor — é coragem lúcida. No seu pior, é descarga emocional travestida de “verdade”. A diferença? Uma constrói, a outra destrói. Uma é dita com respeito, a outra com fúria disfarçada de sinceridade.

Há quem ache que ser frontal é vomitar opiniões com a altivez de quem crê que está a prestar um serviço público. Esses são os mesmos que falam de “verdade” como se fosse um martelo — útil para arrumar o mundo à força. O problema é que esquecem que os outros não são pregos, são pessoas.

E mais: nem toda a verdade precisa ser dita. Nem todo o silêncio é cobardia. Há verdades que pertencem à intimidade, outras à consciência. E há aquelas que não são verdades — são apenas interpretações infladas pelo ego e condimentadas com ciúmes, frustrações ou senso de justiça mal digerido.

Vamos por partes. Dizer tudo o que se pensa, sempre que se pensa, é não só uma falta de sensibilidade como, por vezes, uma demonstração clara de má educação. O adulto civilizado pensa antes de falar. O adulto espiritualmente desenvolvido pensa, sente e depois pergunta: “isto serve para quê? Para esclarecer? Ajudar? Reparar? Ou apenas para me aliviar?”

Se for para aliviar, há outras vias: escrita privada, terapia, corrida matinal. Não é preciso usar os outros como contentor emocional disfarçado de diálogo franco.

A frontalidade ética exige timing, intenção e consciência. Dizer a coisa certa no momento errado é quase tão inútil quanto dizer a coisa errada com as melhores intenções. E há uma diferença abismal entre dizer a verdade... e tentar vencer uma discussão com ela. Verdade usada como arma não é virtude — é vingança.

Diplomacia: essa palavra que muitos confundem com hipocrisia. Mas não — hipocrisia é fingir. Diplomacia é saber como se diz. É ter noção do impacto. É ajustar o tom sem trair a essência. É o vestido de gala da verdade — porque sim, até a verdade pode e deve saber comportar-se à mesa.

A mulher diplomática não mente. Escolhe. Não esconde. Modera. Ela sabe que a forma como se diz uma coisa é, muitas vezes, mais importante do que a coisa em si. E que há formas de ser clara sem ser cruel. O que, convenhamos, é uma forma de inteligência emocional que nem todos frequentaram na escola da vida.

Aqui chegamos a um ponto absolutamente crucial: há assuntos que não nos dizem respeito. Ponto final.

Não é por estarmos presentes que somos parte. Não é por sabermos que temos o direito de comentar. E muito menos é legítimo escarnecer, em público, de temas sensíveis que envolvem terceiros, como se a decência fosse opcional e a privacidade um luxo burguês.

Quando alguém menciona o nome de outro num contexto de tensão, dignidade é tratar o assunto com esse outro — em privado, com frontalidade madura e sem necessidade de assistência. Fazer disso espectáculo é apenas vaidade em pose de justiça.

E há também os evangelistas da sinceridade. Aqueles que, com ar triunfante, dizem "eu sou sincera, digo tudo na cara!" como se isso fosse um acto heroico. Não é. É apenas o mínimo exigido por uma ética pessoal decente — e mesmo assim, mal executado.

Ser sincera não é despejar. É comunicar. É falar com clareza, sim, mas com respeito. É não esconder, mas também não humilhar. É dizer a verdade não para brilhar — mas para contribuir.

Porque, minha cara, se o que tem para dizer é só para se ouvir a si mesma, faça como os filósofos estoicos: fale para dentro.

A frontalidade é uma arte. E como toda arte, exige técnica, sensibilidade... e silêncio estratégico.

Ser frontal não é cuspir verdades. É moldá-las com intenção. Ser autêntica não é ser imprevisível ou inconveniente — é ser fiel a si, sem trair o outro. E ser madura não é dizer tudo o que pensa — é saber que nem tudo se diz, nem sempre, nem a todos.

A mulher verdadeiramente frontal não se impõe. Impõe respeito. Não grita. Transmite. E não precisa de plateia — precisa de propósito.

E, por fim, quando tiveres a tentação de "só dizer a verdade", faz uma pergunta simples:

"Isto vai acrescentar ou só causar estragos?"

Se a resposta for a segunda, oferece a ti mesma o presente raro e precioso da contenção.

E lembra-te: há silêncios que valem mais do que mil verdades mal ditas. E elegância, minha cara, é calar — quando se tem tudo para dizer.

Já escrevi vários textos sobre este tópico, não por obsessão nem por necessidade de me justificar, mas porque acredito genuinamente que certas ideias merecem ser revisitadas, refinadas e reapresentadas — especialmente num mundo onde o ruído é tanto que, por vezes, a lucidez precisa de ser repetida com persistência quase pedagógica.

Disse, sim, que sou autêntica. E volto a dizê-lo, não por carência de validação, nem como proclamação teatral de identidade, mas porque muitos dos que me lêem não me conhecem pessoalmente. Não conhecem o tom com que falo, a expressão do olhar, o silêncio com que escuto. O escrito, por mais sincero que seja, é sempre uma sombra da presença. E por isso, ao dizer que sou autêntica, não estou a reivindicar um trono moral. Estou, com elegância (a possível), a oferecer contexto — e, se a Musa permitir, a inspirar outros a manterem a sua essência.

Porque não se trata apenas de dizer quem se é. Trata-se de mostrar que se pode ser verdadeiro sem ser bruto, que se pode discordar sem destruir, que se pode ser firme sem ser ríspido. Que é possível — e desejável — evoluir sem perder o fio que nos liga à nossa natureza mais íntima. Ser autêntica não é ser imutável. É, paradoxalmente, ser fluida sem ser plástica. É mudar com consciência. É crescer sem trair o que nos torna singulares.

Todos mudamos — e que assim seja. Seria tragicamente monótono permanecer eternamente na mesma versão de nós próprias. Vamos limando arestas, trabalhando virtudes, atenuando defeitos. Alguns com mais subtileza, outros com a delicadeza de um elefante em loja de cristal — mas ainda assim, caminhando. Tentamos ser melhores. Por nós, pelos nossos, por todos.

Ser melhor não é competir com o outro. É desafiar a versão de ontem. É não nos rendermos à indolência moral do "sou assim, não mudo". Essa frase — tão popular entre os emocionalmente sedentários — não é autenticidade. É resignação com verniz de firmeza. E há poucos venenos tão discretos quanto o orgulho disfarçado de integridade.

Por isso, quando escrevo sobre isto — frontalidade, autenticidade, silêncio, diplomacia — não é por ter alcançado a perfeição (longe disso), mas porque estou, como tantos, no processo. E acredito que reflectir sobre o processo em voz alta pode ter o efeito secundário benéfico de iluminar o caminho de alguém. Ou, na pior das hipóteses, evitar mais uma discussão desnecessária nas caixas de comentários.

Ser autêntica, portanto, é assumir o lugar de trabalho contínuo. É poder dizer "isto sou eu, mas não estou acabada". É ter a honestidade de reconhecer que o nosso carácter está sempre em fase beta — em testes, com erros, com revisões — e que a graça está, precisamente, em continuar a actualizar sem perder o sistema operativo da alma.

E, se no caminho, consigo inspirar alguém a praticar a frontalidade com ternura, a sinceridade com respeito, e a autenticidade com humildade, então todo o exercício já valeu a pena.

Porque no fim — no fim mesmo — ser verdadeira não é gritar “sou eu!”. É apenas continuar a sê-lo… quando ninguém está a ver.

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