O Caminho para a Aldeia: onde renasci como mulher e mãe

 Em 2024, iniciei um percurso que mudaria o curso da minha vida — não num gesto súbito ou grandioso, mas passo a passo, com os pés feridos e o coração em ruínas. A estrada que me conduzia até esta aldeia tornara-se, nos primeiros tempos, uma espécie de via-sacra pessoal. Um trilho de dor e expiação, onde cada viagem era acompanhada por lágrimas, orações silenciosas e um nó na garganta que parecia nunca desfazer-se.

Fazia esse caminho três vezes por dia, e cada regresso trazia-me a mesma sensação de impotência. Não era apenas a distância física que percorria, era a distância emocional entre aquilo que tinha sido e o que me via obrigada a tornar-me. Naquelas viagens chorei como nunca antes. Chorei por mim, pelo meu filho, por aquilo que nos foi feito. E por aquilo que, sem querer, permiti.

Confiei. Confiei em quem não devia. Confiei numa promessa vazia, numa máscara de boas intenções que escondia uma alma fria. Deixei que essa pessoa se aproximasse do meu filho — e essa foi a queda. Ele, tão pequeno, tão puro, levou a mão dessa figura e, sem o saber, foi conduzido a um abismo de dor e confusão que não merecia. Um abismo sem nome. E eu, que devia protegê-lo com todas as forças, com todas as células do meu corpo, falhei. Não por maldade, não por descuido — mas por confiar.

Nos primeiros meses, carreguei esse peso como uma cruz. Sentia-me culpada por cada olhar triste do meu filho, por cada dúvida que lhe nascia nos olhos. Eu não sabia como o salvar. Nem sequer sabia como me salvar a mim. Caminhava por instinto, por desespero, por amor. Com feridas no corpo, dores na alma, o estômago fechado e a mente em turbilhão. Caminhava porque, no meio de tudo, ele precisava de mim. Mesmo sem me dizer, mesmo sem entender.

E, ironicamente, foi nesse mesmo caminho que encontrei a cura. Não veio de forma repentina. Veio em fragmentos, em encontros, em gestos pequenos mas profundos. A aldeia, com a sua simplicidade acolhedora, ofereceu-me algo que eu já julgava perdido: paz.

Aqui, rodeada por árvores antigas e sombras tranquilas, entre bancos de madeira e bandeirolas coloridas que dançavam ao sabor do vento, reencontrei humanidade. Gente boa, de coração aberto, que me recebeu sem julgamentos. Profissionais que me ouviram, que trataram o meu filho com um cuidado que ia além da obrigação — com um verdadeiro sentido de missão. Mulheres e homens que, com o seu saber e a sua sensibilidade, foram restaurando em mim a fé nos outros.

Aqui, fiz amizades sinceras — daquelas que não se compram, não se pedem, apenas nascem. Partilhei silêncios e confidências. Senti o calor de abraços sinceros. Dei-me conta de que não estava sozinha, nem era a única a carregar dores invisíveis.

Esta aldeia, pequena aos olhos de muitos, foi imensa para mim. Foi colo. Foi abrigo. Foi escola. Foi terapia. Foi igreja. Foi lar.

Hoje, ao olhar para este lugar — o parque infantil onde o meu filho voltou a sorrir, o banco onde tantas vezes me sentei a ver o

tempo passar, as árvores que ouviram os meus segredos, e as fitas coloridas que, para mim, se tornaram símbolo de resiliência — percebo que algo terminou. O ciclo fecha-se. E isso dói.

Dói porque, apesar de tudo, aprendi a amar este lugar. Dói porque sei que o meu filho também sente — ainda que não o consiga traduzir em palavras. Ele também encontrou aqui um refúgio, uma estrutura, uma espécie de chão.

E, no entanto, há beleza nesta dor. Há gratidão. Há a consciência de que este lugar não foi só passagem. Foi transformação. Foi caminho. Foi renascimento.

Partimos com o coração cheio. Não intacto, não ileso — mas cheio. E mais forte.

Levo comigo cada rosto, cada palavra, cada gesto que me ajudou a atravessar a escuridão. Levo a dignidade com que me trataram, a amizade com que me ampararam, e a paz que, finalmente, pude reencontrar.

E mesmo quando já não pisarmos estas ruas, uma parte de nós ficará para sempre aqui — guardada entre as árvores, as fitas, os risos do parque, e os silêncios das manhãs.


Obrigada.

Por tudo.

Por tanto.

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