Voltar a mim: a liberdade de curar em silêncio
Houve uma altura em que me senti doente.
Não era febre. Não era um vírus. Não era algo que um médico pudesse diagnosticar em cinco minutos de consulta.
Era outra coisa — uma exaustão interna, um silêncio pesado, uma dor difusa que morava no corpo mas nascia na alma.
Por vezes, sentia-me doente… e sabia, lá no fundo, que não era o remédio que faltava.
Nem era o remédio que podia curar.
O que eu realmente precisava — e não encontrava — era alívio.
O alívio de não ter de me justificar constantemente.
O alívio de poder existir sem ter de explicar cada gesto, cada escolha, cada silêncio.
O alívio de não precisar de me defender.
O alívio de um abraço que acolhe sem perguntar, de uma palavra que não julga, de um espaço onde eu pudesse ser quem sou — sem medo.
Porque sim, o corpo adoece quando a alma está saturada.
O corpo fala, quando silenciamos o que mais importa.
Adoece-se de carregar peso demais, silêncio demais, medo demais.
Adoece-se por dentro, lentamente, até que um dia já não se reconhece a própria voz, nem se sente o próprio riso.
Só se começa a melhorar quando se percebe que é possível mudar.
Que não é preciso estar em guerra.
Que se pode abrandar.
Que se está segura.
Que não se precisa mais de lutar sozinha.
E, talvez o mais importante: que não se precisa mais de corresponder ao que os outros esperam.
Curares-te, aprendi, não é tomar algo.
É retomar-te.
É voltares a sentir confiança.
É voltar a olhar-te sem culpa.
É teres coragem de te escolher, mesmo quando isso incomoda.
Mesmo quando isso desaponta.
Mesmo quando isso rompe os papéis que esperavam que tu representasses em silêncio.
Quantas vezes já não sentiste o teu corpo e a tua alma a pedir por esse descanso?
Quantas vezes ignoraste a tua própria voz em nome da paz dos outros?
Talvez tenhas passado, como eu, demasiado tempo a tentar agradar a todos.
A medir as tuas escolhas pelo olhar dos outros.
A procurar aceitação onde o teu coração só pedia paz.
E se a única opinião que contasse fosse a tua?
O que escolherias?
O que deixarias cair?
O que segurarias com força?
Eu tive de aprender que escolher por mim não é egoísmo —
é liberdade.
É dignidade.
É responsabilidade por mim e por aqueles que vivem ao meu lado.
Porque, no fim do dia, quem vive as consequências das minhas escolhas sou eu.
Sou eu, o meu marido, os meus filhos.
É a nossa casa, a nossa vida, o nosso ritmo que carrega o peso — ou a leveza — do que decido.
Sim, tenho sempre de ponderar.
Tenho de ser mais por eles.
Tenho de garantir que não me perco, mas também que não os abandono.
E é esse o maior equilíbrio que já procurei:
ser tudo sem deixar de ser eu.
Deixei que cada um pensasse o que quisesse de mim.
Deixei que acreditassem que tinham apagado a minha luz.
Deixei que interpretassem a minha ausência como fraqueza, o meu silêncio como derrota, o meu afastamento como fuga.
E sabes?
Talvez estejam certas.
Fugi.
Fugi do barulho, dos julgamentos, das críticas, das vaidades e das falsidades.
Fugi do ruído que me abafava.
Fugi da necessidade constante de me explicar, de me defender, de provar que merecia o meu lugar.
Fugi, sim.
Mas não fugi de mim — fugi para mim.
E foi lá, no fundo de mim, que descobri uma verdade luminosa:
quem diria que, afinal, no céu existem milhões de estrelas e todas brilham sem ofuscar as outras?
Percebi que não precisava apagar ninguém para me acender.
E que ninguém precisava apagar-me para se sentir seguro.
Cada estrela no céu tem o seu brilho, a sua dança, o seu tempo.
E eu?
Também sou estrela.
Também mereço brilhar.
Também posso ocupar o meu lugar — sem culpa, sem vergonha, sem medo.
Desci ao meu próprio inferno.
Toquei no fundo do que é estar viva sem estar inteira.
Conheci a dor de continuar a cuidar dos outros quando eu mesma me sentia em cacos.
Mas voltei.
Voltei da dor, da dúvida, da sombra.
Voltei com mais luz.
Não a luz que agrada a todos.
Mas a luz que é minha.
Autêntica.
Serena.
Real.
Hoje, continuo a ser mãe.
Continuo a ser mulher.
Continuo a ser esposa.
Mas agora sou tudo isso com verdade.
Sem anular-me.
Sem fingir.
Sem trair a minha essência.
Se me afastei, foi para não desaparecer.
Se me calei, foi para me escutar.
Se me virem voltar, não será para agradar a ninguém.
Será porque me reencontrei.
Porque me reconstruí.
Porque me tornei, finalmente, inteira.
Por mim.
Por eles.
Por nós.