O que é bom corre (e às vezes voa)
Crónica de uma mãe maravilhada, emocionalmente lúcida, exausta com dignidade e com ascendente demoníaco assumido.
O tempo não anda — dispara. Não caminha em linha recta, nem avisa quando vai acelerar. Não tem modos. É um atropelo invisível. Quando dei por mim, já estamos a fechar um ciclo. E o que sobra é uma saudade daquelas boas: sentida, clara, com sabor a missão cumprida. O meu filho já sente falta da professora. E eu também.
Não é saudade pela rotina — vamos ser honestos, a rotina é, muitas vezes, um ritual matinal de sobrevivência e caos disfarçado de normalidade. É o circo logístico de todos os dias: mochila feita à pressa, meia perdida, lanche renegociado, e aquele olhar mortiço que só uma mãe em modo automático conhece.
Mas existe algo especial. Algo que só se encontra quando o mundo conspira — para o bem. Encontrámos uma professora, uma escola, um lugar que nos aceitou, aceita como somos. Sem a necessidade de teatrinhos, sem máscaras, sem ter de fingir que eu sou a mãe perfeita que frequenta tudo, sorri sempre e tem bolo caseiro com cobertura de gratidão emocional.
Ali não preciso explicar nada. Nada.
Não preciso justificar por que motivo estou afastada de tudo — incluindo das festas temáticas com unicórnios e snacks pedagógicos em forma de letra. Não preciso partilhar frases inspiradoras em grupos de WhatsApp, nem sequer utilizamos telemóvel prefiro papel, graças a Deus que assim é. Nem preciso ler aquele tipo de e-mail com emojis passivo-agressivos que começa com "Boa noite, queridas mamãs", "Caros encarregados de educação", a hipocrisia suprema.
Neste lugar existe espaço para nós. Para mim — uma mãe que escolheu viver um pouco à margem da histeria socialmente coordenada. E para o meu filho — um ser completo, complexo, autêntico, livre. Aprendemos da pior forma, mas lição adquirida.
É claro que antes deste paraíso, houve especulação. Muito sussurro, muita sobrancelha levantada, muita análise facial feita à distância de segurança. Fui, durante algum tempo, um verdadeiro mistério para a fauna maternal. Não sabiam se era santa, neurótica, bruxa, socióloga desiludida, ou uma psicopata com ascendente demoníaco e ligação directa ao submundo das emoções reprimidas.
Na dúvida, diziam tudo isso — e mais um pouco. E sabem o que eu fiz?
Caguei.
Com gosto. Com convicção. Com punho firme e ironia interna.
Caguei para a necessidade de parecer compreensível. Caguei para a pressão de me explicar. Caguei para a tentativa de caber.
Não foi um “caguei” malcriado, não. Foi um “caguei” elegante, consciente, terapêutico. Um “caguei” em três actos, com pausa dramática e música de fundo.
Caguei e fui feliz.
E não! Não é usual escrever, dizer impropérios. Mas já agora ter proveito na fama.
Porque quando deixei de tentar ser compreendida por quem nunca quis entender, encontrei paz. Uma paz que tem o som do silêncio certo. Uma paz que nasce quando paramos de tentar fazer sentido aos olhos de quem já nos decidiu estranha.
E o melhor? O meu filho floresceu. Tornou-se mais calmo, mais leve, mais... ele. Como se o ambiente certo tivesse desbloqueado a versão mais brilhante dele. Porque esteve entregue a profissionais que são tudo o que o sistema devia ser: humanos, competentes, atentos, humildes, confiáveis e sem mania de salvadores.
Gente com coração, com ética e, acima de tudo, com bom senso.
Não exigiram manuais emocionais.
Não esperavam que eu tivesse uma “narrativa parental” para apresentar em PowerPoint.
Não quiseram salvar-nos — quiseram apenas acolher-nos, não quiseram colocar-nos no cepo para pegar-nos fogo. E isso, sim, é revolução.
E agora que tudo corre bem — tão bem — sobra uma saudade que quase incomoda. Daquelas que não queremos largar, mesmo sabendo que temos de seguir. Porque o que é bom… corre. Corre depressa, com pressa, como quem tem voo marcado. Mal aprendemos a confiar, já estamos de partida.
Mas ficamos com a certeza de que estivemos, estamos no lugar certo, no tempo certo, com as pessoas certas.
E isso, meus caros, é milagre em tempos modernos.
Não se compra, não se fabrica, acontece.
Vou ter saudades de deixar o meu filho na escola e saber que ele esta bem. Não “ok”. Não “adaptado”. Esta bem entregue. Entregue a gente que sabe o que faz. Que olha com olhos de ver. Que reconhece autenticidade e não se assusta com ela.
Porque sejamos sinceros: sou muitas coisas.
Não sou santa. Não sou mártir. Não sou a mãe Pinterest com quadro de recompensas.
Sou uma mulher que largou a performance, que mandou abaixo o palco, que se libertou da merda que deixou para trás — e que não tem saudades nenhumas do cenário anterior.
E também não sou apenas “a mãe do menino”.
Sou aquela mulher que passou de figura misteriosa para lenda urbana. Aquela com ar de quem pratica telepatia emocional com orquídeas e lê expressões faciais como se fossem runas.
E sim, tenho mesmo ascendente demoníaco, e celestial . Assumo-o com orgulho. Sou feita de caos organizado, sarcasmo polido, empatia selectiva e amor bruto.
Mas sabem que mais?
O meu filho é feliz.
E eu também.
E isso basta.
Para quem ainda se pergunta por onde ando, por que nunca apareço, por que não participo nos eventos da escola com entusiasmo teatral — deixo apenas um aceno distante e uma piscadela cósmica.
Estou aqui. Estou bem. E estou em paz.
A todas as escolas que acolhem mães e filhos sem tentar formatá-los, o meu eterno obrigada.
A quem me achou uma lunática com boas intenções — talvez estejam certos.
A quem me compreendeu sem precisar de tradução — temos um pacto silencioso.
E ao tempo que corre…
Vai. Mas leva contigo esta versão de nós: mais livre, mais inteira, mais divertida.
Com menos filtros e mais verdade.
E com a garantia de que o que vivemos aqui foi tão bom que deixou saudade antes mesmo de acabar.
Grata por tudo, a Deus que encaminha sempre para o bem e livrou-me de quem me quer mal, ainda bem que sei o que é silêncio.