Caminhar com a Fé nos Pés e a Paz no Coração

Reflexão de uma peregrina de Fátima

Há experiências que não cabem no imediato. Não por falta de palavras, mas por excesso de sentido. A alma precisa de tempo para as digerir, para que o vivido se transforme em verdade interior antes de ser lançado ao mundo. Por isso, escolhi o silêncio, o recolhimento e a contemplação. Não atualizei o blog, não partilhei de imediato os detalhes. Senti que devia deixar o espírito repousar sobre os acontecimentos, como a brisa que passa devagar pelas oliveiras de Fátima.

De 8 a 13 de Maio, fui peregrina. Caminhei com o corpo cansado e a alma desperta, rumo ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima. Foram cinco dias de estrada, fé e introspecção. O peso físico de cada etapa contrastava com a leveza que se ia instalando por dentro. Durante esse percurso, deixei o telemóvel de lado. Preferi organizar os pensamentos no silêncio da alma, escutar os outros com atenção, cultivar novas amizades com quem partilhei a estrada, as refeições, as bolhas nos pés e as orações murmuradas ao entardecer.

A peregrinação foi feita em comunidade, mas também num profundo diálogo comigo mesma. Caminhávamos lado a lado, mas cada um carregava as suas intenções, as suas dores, os seus agradecimentos. A fé unia-nos, como um fio invisível que entrelaçava todas as nossas histórias num só caminho.

O regresso à vida quotidiana foi vertiginoso. Entre o trabalho, o meu filho, e as reuniões preparatórias para o Crisma, a correria instalou-se sem pedir licença. No meio de tudo, a Feira da Terra foi vivida com intensidade inédita — rodeada da família e das amigas da peregrinação, onde as caminhadas deram lugar ao convívio, aos sorrisos fáceis, à partilha de um carinho que cresceu ao longo dos quilómetros de estrada.

O dia do Crisma foi outro ponto alto. Desde a manhã até ao jantar, vivi-o em entrega total. A madrinha presente com as suas afilhadas — uma de baptismo, outra de Crisma — simbolizava um laço espiritual que atravessa a vida. O jantar estendeu-se noite dentro, entre conversas animadas, risos sinceros e a presença da fé em cada gesto. Foram momentos que, mesmo na agitação, me trouxeram paz.

Na sexta-feira, dia 30 de Maio, trabalhei de manhã, mas o resto do dia foi passado no Barreiro, ao lado do meu filho mais novo, que estava doente. Ao regressar, fui visitar o meu sogro — dar-lhe notícias do neto, conversar, ajudar. E no regresso, parei no café habitual, o espaço onde, por breves momentos, consigo respirar. Estive mais tempo do que o previsto. Precisava de saber como estava uma amiga querida. A amizade também é forma de oração.

E assim, sem descanso desde Abril, cheguei a sábado, dia 31 de Maio — um dia que ficará para sempre gravado na minha alma. Nesse dia, tive a imensa honra de carregar o andor de Nossa Senhora de Fátima. Como catequizanda e peregrina, senti-me instrumento de algo maior. O peso do andor era real, mas leve comparado com a força que me habitava. Os olhos pousavam em mim com respeito e emoção, mas era para Ela que eu caminhava. Foi um gesto de fé pública, sim, mas também de consagração íntima. Uma entrega plena de quem, mesmo imperfeita, se abandona aos braços da Mãe.

Não escondo: tenho os meus problemas. Há obstáculos no caminho, desilusões, dificuldades. Há dias em que tudo parece correr mal. Mas há algo que permanece, mesmo nas tempestades: Deus é bom. E essa certeza dá-me uma paz que não é ausência de dor, mas presença de sentido.

Carrego comigo a memória destes dias como quem leva relíquias no coração. Não preciso de provar nada a ninguém. Vivi. Caminhei. Rezei. E fui habitada por uma paz inexplicável, serena, poderosa — uma paz que não vem do mundo, mas do Alto.

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