Corro, logo vivo: um manifesto em movimento
Há quem diga que a vida é uma corrida. Mas poucos compreendem que há corridas que não se fazem por obrigação — fazem-se por escolha, por paixão, por entrega. Corro, sim. Corro todos os dias. Não por estar perdida no tempo, mas por estar intensamente presente nele. Corro porque quero. Porque cada passo é uma afirmação do meu compromisso com a vida.
O meu dia não é um alinhamento mecânico de tarefas: é uma coreografia de intenções. De manhã, o despertador não toca — chama-me. Acordo com o coração cheio, pronta para conciliar dois trabalhos como quem mistura cores numa paleta: diferentes, sim, mas parte do mesmo quadro. Trabalho não é fardo, é expressão. É ali que coloco o melhor de mim, que encontro sentido, que planto sementes para um amanhã mais sólido.
Depois, corro para almoçar com a minha família, numa aldeia linda que me devolve o silêncio da terra, o cheiro do pão quente, o som da vida sem pressa. A mesa posta é mais do que um lugar de comida: é altar de afectos, de histórias cruzadas, de olhares cúmplices. São esses momentos que me enraízam, que me lembram quem sou e por que corro.
Corro, sim, para mais um trabalho. Corro para o voluntariado que, por vezes, se estende pela madrugada dentro — não por falta de tempo, mas por excesso de amor. Porque dar de mim é o que faz de mim inteira. No voluntariado, não há salários, mas há salários de alma. Há trocas invisíveis que enchem espaços vazios, que reparam silêncios, que resgatam dignidades. Ali, corro com compaixão, e com a consciência de que sou uma entre muitas que acreditam num mundo possível.
Corro para estar com o meu filho. Porque brincar com ele, rir com ele, ouvir as suas perguntas infinitas, não é perder tempo — é ganhar eternidade. Corro para estar com amigas, porque a amizade feminina é tenda, é colo, é abrigo. Corro para cumprir a minha palavra, porque acredito que a palavra é sagrada — e ser mulher é, tantas vezes, ser fiadora da palavra dada.
Sim, corro. Mas não fujo de nada. Pelo contrário, avanço para tudo: com fé, amor, compreensão, paciência, partilha. Corro com o coração atento, com os olhos abertos, com os sentidos aguçados. Cada gesto, cada compromisso, cada abraço, cada tarefa é feito com o cuidado de quem sabe que viver é arte, e arte não se improvisa — cultiva-se.
Ser mulher neste mundo é, tantas vezes, ser tantas em uma só. E eu sou todas: a mãe, a trabalhadora, a voluntária, a amiga, a companheira, a sonhadora, a construtora de rotinas e de sonhos. Mas sou, acima de tudo, alguém que corre com intenção — e essa é a mais bela forma de estar viva.
Porque, no fim, não é o cansaço que fica. Fica a entrega. Fica o rasto de amor que deixamos no caminho. Fica a certeza de que, quando se corre de coração cheio, não há destino inalcançável. Há apenas vida, em plenitude, a acontecer.