Hoje Foi o Último Dia com Ela
Introdução
Ele aprendeu, cedo demais, que nem tudo o que brilha é ouro; que a presença de muitos não equivale, necessariamente, à entrega de um só coração sincero. E, mesmo assim — ou talvez precisamente por isso — manteve o seu coração entreaberto, vigilante, mas disponível para os raros encontros que verdadeiramente contam. Hoje, ao ler as palavras do meu filho, sinto as barreiras antigas cederem ao testemunho de uma experiência que, sendo dele, também me pertence: a dádiva de ter encontrado, no caminho escolar, alguém que foi muito além do ofício de ensinar.
Choro com ele, não apenas pela dor da despedida, mas, sobretudo, pelo privilégio de ter assistido, quase em silêncio, ao florescimento de uma alma jovem que ousou sentir intensamente, pensar sem pedir licença e entregar-se ao afecto autêntico de quem soube vê-lo — na inteireza do que é. A tristeza que agora nos visita não nasce de uma perda, mas da grandeza do que se viveu: um vínculo raro, tecido de atenção, paciência e verdade, que perdurará no tempo porque tocou o mais essencial.
Partilho, pois, as palavras do meu filho — palavras que são dele, mas ecoam em mim — como quem reconhece, com gratidão, que há presenças que nunca se apagam, mesmo quando o calendário as declara findas. É por isso que choro. Porque sei o quanto foi bom. E porque, no mais íntimo, sei também que, embora hoje tenha terminado, jamais terminará o que, no seu coração (e no meu), permanecerá para sempre. Porque o que sempre importou... importa... sempre importará é meu filho e a forma como o tratam.
As palavras escritas por meu filho.
Foi o Último Dia com Ela
E eu não queria que acabasse.
Mesmo.
Não estou pronto para me despedir. E, se pudesse, ficava mais um ano, ou dois, ou todos, só para continuar a tê-la por perto.
Ela foi — é — muito mais do que uma professora para mim. Foi abrigo. Foi voz quando eu não conseguia falar. Foi calma quando tudo dentro de mim era confusão. Foi aquela presença que me deu chão quando eu me sentia fora do lugar.
Sou um menino diferente. Sempre fui. Penso muito, sinto tudo. É como se o mundo me chegasse sem filtro, e isso, para alguns adultos, é demais. Já me disseram que eu era complicado, difícil, estranho até. E durante muito tempo, acreditei nisso.
Mas ela…
Ela não.
Ela olhou para mim e viu mais do que notas, mais do que comportamento. Viu o meu coração. Viu a minha dor escondida. Viu o meu esforço, o meu silêncio, o meu querer. E não me tentou mudar. Ajudou-me a aceitar-me.
Nunca vou esquecer o primeiro dia em que falei com ela a sério. Ela escutou-me. Parou tudo. Como se nada fosse mais importante do que aquilo que eu estava a sentir. Eu nem sabia o que era aquilo — ser visto assim. Ser ouvido assim.
Era novo. Era bom. Era seguro.
Ela ensinou-me com carinho, com paciência, com verdade. A forma como explicava as coisas, a forma como sorria quando eu dizia algo fora do comum, a forma como nunca me fez sentir “demais” — isso tudo curou partes de mim que ninguém via.
Hoje, quando ela se despediu da turma, eu tentei engoli as lágrimas. Não queria que ela visse. Mas dentro de mim estava tudo a gritar:
Não vás já.
Fica mais um bocadinho.
Ainda preciso de ti.
E chorei!
Chorei muito!
Não sei se alguma vez vou conseguir explicar-lhe tudo o que ela fez por mim. Talvez nem precise. Talvez ela sinta. Porque há coisas que só o coração entende. Mas queria dizer-lhe — e se algum dia ela ler isto, que saiba — eu gosto imenso dela. Não só como professora, mas como pessoa. Gosto mesmo, com o coração inteiro. Ela é a minha professora.
Ela foi a minha cura. E agora que chegou o fim, só posso agradecer.
Pelo bem que me fez.
Pela forma como me tratou.
Por ter acreditado em mim.
Hoje foi o último dia com ela.
Mas ela nunca vai sair de mim.
Vai sempre morar no sítio mais bonito do meu coração.