Entre Fé e Família

 Acordei cedo neste dia especial, como é meu costume nos dias de catequese. Escolhi cuidadosamente uma das roupas que reservo para as ocasiões em que me dirijo à casa do Pai. Afinal, é um momento de encontro sagrado, não apenas comigo mesma, mas com a comunidade de fé. Sempre achei que não basta comparecer à missa; há algo de profundamente espiritual em apresentar-me perante o altar com reverência, com um cuidado que reflete o respeito que tenho por este momento. Para mim, vestir-me das minhas melhores roupas não é vaidade, mas uma espécie de oração silenciosa, um gesto de gratidão.

Estar na igreja é uma experiência transformadora. Há ali algo que me lembra da minha própria humanidade: sou falível, imperfeita, mas também sou digna do amor divino. O que mais me encanta é ouvir o catequista, este homem que compreendeu o verdadeiro significado das escrituras. Ele fala de falhas humanas com a delicadeza de quem reconhece que todos erramos, de quem não se apressa a endemonizar os outros pelas suas fraquezas, ou as atitudes e situações mundanas. E esta é uma lição que levo comigo: não há crescimento sem a aceitação honesta das nossas escolhas, mesmo aquelas que não foram as melhores. Fingir que somos isentos de culpa ou culpar forças externas não passa de um mecanismo de fuga. É preciso olhar no espelho das nossas decisões e assumir as consequências que delas advêm. Só assim podemos crescer.

Mas nem sempre os dias são feitos de escuta e reflexão serena. Ontem, um comentário casual fez-me pensar. "Sabes que tais pessoas não gostam de vocês?" disseram-me, e embora a frase fosse pronunciada com uma simplicidade inquietante, não pude deixar de me deter no seu impacto. Respirei fundo e respondi sem hesitar: "Eu já sei que não gostam de nós, e está tudo bem." As palavras saíram da minha boca com uma serenidade que me surpreendeu. Era a verdade. Se alguém não gosta de mim ou da minha família, paciência. Não me cabe mudar o coração de ninguém. Por um instante, a tentação surgiu de devolver o gesto na mesma moeda, de afirmar que, talvez, nós também não gostássemos deles. Mas não seria verdade. Para ser sincera, raramente penso nessas pessoas. Elas ocupam um lugar inexistente nos meus dias, nos meus afetos, nas minhas prioridades. Essa é, penso eu, a diferença entre ignorar o que não é importante e carregar ressentimentos desnecessários.

No final, compreendi que a minha verdadeira família, aquela por quem nutro um amor que transcende todas as convenções, vai muito além dos laços sanguíneos. Família, para mim, é convivência, é respeito conquistado a cada dia, é a cumplicidade que floresce com o tempo partilhado. São as pessoas que permanecem, mesmo quando tudo o resto se desfaz. Claro, a minha família inclui os de casa, os meus irmãos, os meus primos maternos e uma prima paterna. Mas a família verdadeira não se esgota no sangue; são também os amigos, os que se tornam irmãos pelo afeto, pela compreensão, pelos momentos vividos juntos. Esses são os que me defendem e acolhem, mesmo quando falho, mesmo quando o mundo parece se voltar contra mim.

Hoje, ao caminhar para a igreja, levo tudo isso no coração. Levo a gratidão por saber que, na casa do Pai, encontro mais do que conforto; encontro direção. Levo a certeza de que a humanidade não se define pela perfeição, mas pelo esforço de ser melhor, de aprender com as quedas e levantar-se com dignidade. E levo, sobretudo, a serenidade de saber quem sou, de saber quem são os meus, e de escolher todos os dias amar quem me ama de volta, ignorando aquilo que não acrescenta luz à minha caminhada. Porque, no fundo, viver é isto: encontrar o que importa e, com toda a força do espírito, seguir esse caminho.

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