A Justiça do Tempo

 Há um momento na vida em que aprendemos, ainda que a duras penas, que nem tudo precisa ser explicado, argumentado ou gritado ao vento. Na minha jornada pessoal, demorei a compreender que o tempo é uma entidade subtil e precisa, tecendo os fios do destino de uma forma que nenhuma pressa humana poderia igualar. Houve alturas em que o instinto me impulsionava a corrigir injustiças, a levantar a voz e a lutar com todas as forças para fazer valer a minha verdade, como se o silêncio fosse uma confissão de derrota. Mas o tempo, esse jardineiro de uma paciência infinita, ensinou-me algo que palavras não poderiam.

Comecei a observar que há uma poesia inerente no processo silencioso do tempo, um trabalho discreto e profundo, como raízes que crescem na escuridão. Nem todas as verdades precisam ser proferidas no calor de uma disputa; algumas possuem a força de se sustentarem por si mesmas. É no silêncio que certas verdades germinam, crescem e florescem. Há verdades tão profundas e intrínsecas que não necessitam de adorno ou defesa. A verdade, percebi, tem um peso próprio. Não é frágil, como muitas vezes tememos que seja. E, ironicamente, quanto mais tentamos protegê-la com palavras, maior é o risco de a desvirtuarmos.

Recordo as palavras da minha mãe, sábias e tranquilas: “Filha, o tempo é o jardineiro de tudo o que é verdadeiro. Aprende a confiar no seu curso.” De início, aquilo soou como um apelo à resignação, quase como uma forma de fraqueza. Eu, que sempre fui movida por uma inquietação quase visceral, sentia-me desafiada por essa quietude, por essa entrega. Não é fácil respirar fundo e resistir ao ímpeto de forçar um desfecho, de tentar controlar os contornos de uma história. No entanto, com o passar dos anos, comecei a reconhecer a beleza desse conselho. Há uma espécie de poder no acto de parar e confiar, um poder que em nada se assemelha à passividade.

O tempo não se engana. Ele não se precipita, não é parcial, não se apressa em agradar ninguém. O tempo tem a capacidade de revelar cada coisa no seu devido momento, sem pressões, sem interferências. Como um rio que traça o seu percurso, não importa quão sinuoso seja o caminho. E assim, aprendi a respeitar esse ritmo, a aceitar que há verdades que não dependem de mim para se afirmarem. Mais ainda, aprendi que há batalhas que se vencem na renúncia de as combater.

De cada experiência que vivi, trouxe para mim o entendimento de que a serenidade é uma forma de força. Quando tudo em nós pede para gritar, e escolhemos o silêncio, esse silêncio tem um peso tremendo. Ele transmite uma mensagem que as palavras jamais poderiam transmitir. Este é o tipo de silêncio que não é vazio, mas pleno. Um silêncio habitado por sabedoria, por resiliência, por confiança na ordem natural das coisas.

Hoje, confio no tempo. Sei que cada coisa que precisa de vir à superfície virá, quando for a hora. Não adianta apressar o curso dos rios; eles sabem o destino que lhes foi destinado. Não adianta lutar contra a noite; o sol nascerá quando for o momento. Por isso, quando a inquietação bate à porta da minha alma, quando a ânsia por respostas me corrói, respiro fundo e recordo: o tempo não falha.

E no final, tudo o que é verdadeiro – absolutamente tudo – encontrará a luz. A sua força reside precisamente na inevitabilidade. As mentiras podem ser grandiosas, mas são efémeras; as verdades, por mais suaves ou pequenas que pareçam, são eternas. Assim, não carrego mais o peso de defender o que é real a todo custo. Descobri que, no silêncio, posso descansar. Porque sei, com uma certeza tranquila, que o tempo está do meu lado. E ele, como a minha mãe tão sabiamente dizia, é o jardineiro mais paciente que existe.

Há algo de intrinsecamente justo na maneira como o tempo organiza o mundo. Aqueles que, com arrogância ou malícia, tentam manipular a verdade, esquecem-se de que o tempo é imune às suas artimanhas. Podem convencer por momentos, podem moldar narrativas com astúcia, mas essa impressão de vitória é transitória. O tempo, com uma serenidade quase cruel, traz tudo à tona. É implacável na sua imparcialidade.

Com tristeza – e, confesso, um pouco de desilusão com a natureza humana –, observo que aqueles que me fizeram mal, em sua ânsia por me derrubar, acabaram por erguer armadilhas onde agora tropeçam. Não sou dada ao prazer de contemplar o sofrimento alheio, mas é inevitável notar que, na lógica imutável do universo, tudo encontra o seu lugar. É quase como se o tempo lhes devolvesse exatamente aquilo que deram ao mundo: sementes de injustiça, de difamação, de crueldade. E o tempo, esse jardineiro implacável, apenas lhes devolve os frutos dessas sementes.

O que me custa mais, às vezes, é a tentação de intervir, de acelerar esse ajuste que o tempo já se encarregará de fazer. Há um instinto em mim que clama por justiça imediata, um desejo intenso de reparar as injustiças de forma direta e incisiva. Mas cedo percebi que há uma sabedoria mais elevada na espera, por mais dolorosa que possa parecer. Não é uma espera passiva; é uma espera carregada de confiança. O tempo não esquece. O tempo não ignora.

Não se engane quem acredita que as ações feitas nas sombras permanecem ocultas. Pode-se enganar um grupo, uma comunidade, até o mundo por um tempo limitado, mas não se engana o tempo. É como um espelho sem mácula, refletindo de volta cada gesto, cada palavra, cada intenção oculta.

Não faço mal ao meu vizinho. Não cultivo a maldade como uma resposta, porque acredito profundamente na força da integridade. Não sou perfeita, nem livre de erros, mas nunca levantei as mãos ou a voz para derrubar alguém que confiasse em mim. E isso é algo que me dá paz. Há noites em que, deitada, penso no mal que recebi, mas também penso na serenidade de quem não precisa temer o amanhecer, porque a minha consciência está limpa.

Ainda assim, não consigo deixar de lamentar o vazio que vejo em quem age com falsidade. O vazio, acredito, é um dos maiores castigos que se pode carregar. Enganam, difamam, ferem – talvez para preencher algo dentro de si que nunca se apaga. Mas as suas conquistas são fugazes, e cada vitória imerecida que alcançam carrega consigo o peso do tempo. Porque é isso que o tempo faz: põe cada um no seu lugar.

Assim, continuo a caminhar com a certeza de que não há como fugir ao ciclo das ações e consequências. Não é uma crença ingênua; é uma sabedoria enraizada em todas as histórias que a vida me contou. Não desejo mal aos que me fizeram mal – não por eles, mas por mim. Porque sei que o mal, mesmo quando retornado com justificativa, apenas corrompe quem o carrega.

E então observo, com um misto de compaixão e firmeza, o desenrolar das vidas daqueles que tentaram desviar a minha. Não é preciso apontar, acusar ou atacar. O tempo encarrega-se disso. Com uma calma feroz, o tempo é mais justo do que qualquer tribunal humano. É imparcial, inflexível e inevitável.

Por isso, deixo que os rios sigam os seus cursos. Porque sei, com a tranquilidade de quem já viu as lições do tempo, que tudo aquilo que plantarmos será colhido. Assim como o vento que eles sopram sobre os outros inevitavelmente acabará por soprar contra si próprios.

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